terça-feira, 4 de novembro de 2014

Lembrete para não lembrar

Será que se eu morro
Num dia inédito
Numa esquina sem placa
Entulhada de pessoas emburradas
Que não esquecem os problemas
A caminho de casa
Vão chorar por mim?
E se choram
Como eu posso partir?
Se é na lembrança
Life-support mechanism
Que plugado eu vivo
Materializado meu espírito qual cicatriz
No peito magoado
De quem dá pela minha falta?
Não quero parecer ingrato
Justamente o contrário, eu me importo
E isso torna a retirada, negociada, mais difícil
Eu queria apenas me deixar ir
Sem adeus, obrigado por tudo, um abraço
Aproveito e deixo aqui registrado:
Adeus, obrigado por tudo, um abraço
Foi bom enquanto durou,
Nem sempre, mas
Estou indo, serenamente
E agradeceria se ninguém percebesse
Muito menos viesse junto
Para uns a festa acaba primeiro
Quero dormir
Fiquei bêbado demais
Bebi muito rápido
E a verdade é que eu nunca soube beber
Saio de fininho
E, do quarto, me divirto ouvindo as risadas
A cantoria alta
Amanhã é um dia normal
Para quem é normal
Não pensem em mim
Pensem na desculpa esfarrapada a dar no trabalho
Nas crianças esperando um futuro
Na mãe que a gente tão pouco vê
Depois que cresce
Ou pensem apenas em ficar em casa sem pensar
Vendo tevê
Largados no sofá
A limpeza da casa por fazer
Naquela preguiça boa
De viver
Com tantos bons porquês
Que existem para se viver
Fiquem com eles
Eu só não estaria mais aqui
Não carregaria esse peso do vazio
Que arrasto feito rés
Que tristeza que nada
Mágoa não levo
Enquanto ninguém estava olhando
Cavei um buraco e me plantei
Olhem, um disco voador!
Entrei no mar
E ele deu cabo de mim
Me levou pra navegar
Sem corpo, por aí

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