quinta-feira, 25 de abril de 2013

Se eu morasse sozinho

Se eu morasse sozinho,
Pouco ficaria em casa.
Servir-me-ia ela apenas de abrigo,
De refúgio da rotina que esfalfa.

Preferiria a rua ao doméstico asilo,
Com sua barafunda agitada,
Onde todos se encontram,
Mas ninguém se abraça;

Preferiria a via pública,
Seus bares, metrôs e praças,
Seus túneis, vielas e calçadas,
À solidão da minha morada,
Pejada pelo silêncio pudico,
Que o quarto propaga,
E que reboa da cozinha à sala.

Esse silêncio lôbrego,
Ressumando a velhice,
Definitivamente não me agrada.

Melhor seria ser um pândego
Amante da lua e dos prostíbulos,
Das camas alheias e da casa de amigos,
Da macarronada da avó aos domingos;
A convalescer só na cama,
Sem ter para quem fazer manha;
A tomar café pela manhã,
Sem debater assuntos vários,
Antes de sair à luta com afã;
A chegar em casa após o trabalho,
E encontrar a louça suja,
Rançosa e imunda, acumulada
Ao longo da comprida semana;
E encontrar os móveis em desalinho,
Como os pensamentos de um doidivana.

Por que deixar tudo bonitinho?
Por que me preocuparia, afinal,
Se eu morasse sozinho?

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Solidão (II)

Empresto da ciência astronômica,
A definição de solidão.
Grandes massas cósmicas,
Vagando no vácuo da imensidão.
Como a lua na abóboda noturna,
A linda virgem solitária.
Como uma pérola rara,
Inconspurcável, celibatária,
Suspirante e melancólica,
Alentando amores imaginários.
Noite após noite, apostólica,
Ela solitária peregrina
Por caminhos invariáveis,
Percorridos dia após dia,
Dos quais se arrepende,
Não enquanto os trilha,
Mas quando chega lá na frente,
E se vê afinal sozinha.
A astronomia chama de órbita,
Essa sina pré-estabelecida,
Desde tempos imemoriais.
Nós chamamos de condição solitária,
O mal que toda rotina implica.
Aferra-nos, como um grilhão,
Esse apego às coisas tais como são.
Em torno de sua única companhia,
A lua gira, e gira, e gira,
Sem saber por que razão,
Não lhe rouba um beijo de gratidão,
E foge, a explorar o universo,
Em toda a sua extensão.

Solidão

Sempre só
Somente eu
Melodia em dó
Sorte que deus me deu

Sem xodó
Eterno sandeu
Sonhos viram pó
Percalços do caminho meu

Caminho solitário
Errática direção
Sentido contrário
Quando é tudo solidão

Meu corolário
Pungido coração
Resulta necessário
Amar sem retribuição

Destino lôbrego
Ando sozinho
A vida é monólogo
Essa sina eu levo comigo

Lógica sem razão
Triste desdita
Então amo a solidão
Desde o berço minha amiga

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Outono (ou o tempo da preguiça)

Ó! Sonolentas tardes de outono
Tirano da preguiça e da desídia
Ditador dos dias mortos e longos
Consagro a ti toda minha acídia

Mas, espere...

Não é assim que quero fazer de ti,
Outono infindo, poesia.

Não, não me agrada o classicismo,
Poético, de pura bizarria.

Quero falar de ti de peito aberto,
Sem cerimônia ou teoria.

Falo de ti com o coração sincero,
Carregado de monotonia.

(...)

Há alguma coisa de misterioso,
Na atmosfera quieta do outono.
Algo da natureza dum monge,
Nalgum lugar ermo e recôndito,
Meditando só sobre o segredo,
Do universo infinito e incógnito.
Desta vida, é o interno degredo,
Do qual eu, satisfeito, sou acólito.

O porquê dessa característica,
Tão bela, é-me desconhecido.
Deixe que a explique a física,
Do ângulo de refração óptico,
Ao raio em meio a partículas.
Aos intuitivos olhos da poesia,
Explicações científicas soam,
Ora inúteis, ora ocas e vazias.

O tempo outonal passa devagar,
E os dias caminham impassíveis.
Parecem nos levar ao não lugar.
Convidam uma mente irascível,
A substituir emoção pelo pensar.
O silêncio cingi, incomunicável,
As almas em seu próprio penar,
O âmago torna-se morada afável.

É, contudo, introjeção maviosa,
Que deleita o espírito sensível,
À vida escrita em verso e prosa.
É como mãe, terna e carinhosa,
Que, amável, fagueira e caridosa,
Aninha, contra a mama afetuosa,
Extenuados pelo estio intratável,
Os filhos que à casa sua tornam.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

O que eu levo da vida

Tudo o que me importa é este bem sentir,
Que espero acompanhe-me quando partir,
Sentimento este tão impossível de definir,
Pois da vida não se leva nem um só lamento.

Lamentar-se é coisa dos indecisos,
Que dá vida não sabe o que é preciso,
Extrair, peneirar, separar o joio do trigo,
Pois viver é pra quem sabe cair e levantar.

Qual a razão de tanto questionamento?
A vida não pede de nós comedimento,
Ponderação, ou tedioso temperamento,
Mas apenas ao puro amor se entregar

Então por que a morte eu deveria ansiar?
Isso é coisa dos vivos que, mal encetam andar,
Hesitam à primeira pedra que lhes faz parar,
E entram a culpar, não a pedra, mas a pedreira.

Hoje, o que me importa, pois, é estar vivo,
É a ventura maravilhosa de ter contigo,
Amado, e entre tantos outros braços, vivido,
E de todo o resto junto a morte me desfaço

terça-feira, 9 de abril de 2013

Viagem pela América latina

Ah, como devia ter sido bela!
A aquarela latina
Antes que a tocassem
Com sua exuberante nativa floresta
Com sua fauna e flora selvagem
Ah, América latina de outrora,
Como devias ter sido divina!

Diante de tamanha maravilha
Imagino qual teria sido a surpresa
Dos europeus que por ventura passassem
Por aquelas costas de água cristalina
Saídos da tétrica e invernal Europa
E confrontados à tépida, luxuriante,
E inebriante América Latina

Vejo-me de repente transportado
A um lugar de mesmo tema
Só que em tudo modernizado
Saio do bucólico passado
Direto ao trágico presente
Debaixo de coqueiros,
Me vejo de repente
Tomando margaritas
Em algum quiosque na Costa Rica

Aqui cheguei de avião, mediante agente
Sem riscos ou perigos de qualquer tipo
Sem piratas, tempestades ou monstros marítimos
Sem especiarias pelas quais me teria perdido
A caminho das Índias.
Nas praias vizinhas há multidões a perder de vista
E já que sou podre de rico,
Nesta praia há exclusividades só minhas
Como a dança tribal paga no cartão à vista

Em que transformamos a terra-mãe indígena?
Com que ignomínia nós a violamos!
E que tempo é esse onde hoje nos encontramos?
Sem lírica, resta toda sorte de mesquinharia
Como fazer da visita ao paraíso
Uma fretada turnê turística

Re-parte-ilha

Partilha, com alguém
Compartilha, um vintém
Comparte, uma parte, do que tens
Parte, os teus bens
Reparte a parte
Que lhe convém
Convida, que outro vem
Com vida, comer também
Divida, com outrem
A vida que tens
Repartilha e multiplica
O bem

domingo, 7 de abril de 2013

Monólogo

Certa feita,
Numa diatribe em que me meti:

Tinha a cabeça redonda mais
Quadrada que já conheci
As ideias e os ideais,
Que são fluidas porém tenazes,
Como uma onda,
Nela não conseguiam invadir.

Batiam-se, com a fúria de sete mares,
Sem que aquela cabeça sabichona
Concordasse se abrir.

Permanecia fechada,
Assim como a boca emoldurada,
Junto ao empinado nariz,
Naquela deslavada
Cabeça quadrada

Um pensamento me leva a sorrir:
“Ah! se eu pudesse abri-la a machadas!”
E segue o monólogo sem fim

Um recorte da História visto através da minha imaginação

Verga a espinha,
Eriça a crina,
Refunga pela narina,
Empina toda a cavalaria.

Encima da colina,
A espada desembainha,
O cavalo relincha,
A tropa grita.

A corneta produzia,
Toques sem melodia.
É a guerra que se avizinha.

O primeiro tiro assovia.
Uma desapercebida cotovia,
Que com nada daquilo tinha,
É feita a primeira vítima.

O bacamarte cuspia,
O canhão explodia,
E a verdejante pradaria
Em chamas se consumia

Funde-se em agonia,
A massa ensandecida.
Estrepitosa, combativa,
De glória se cobria.

O velho mundo se batia
E a História se escrevia
Usando sangue como tinta

sexta-feira, 5 de abril de 2013

O futuro do passado

Para onde nos leva o presente?
Como deu aqui o passado?
Onde foi parar
O sonho da minha gente?
Tínhamos o mundo
Inteiramente conquistado
Em nosso ventre
Uma visão do futuro?
Pessimista
O mundo será ainda mais capitalista
Cada vez mais abarrotado
Como um barco
A emborcar no negro mar do espaço
Lá como cá
Reina a miséria
Fria como a lâmina
Calculista como o lucro
Ninguém se amará
Vínculos?
Só com juros
Não haverá verde, nem azul
Apenas o cinza das chaminés
Essas modernas torres de babel
Definitivas como a morte
Enlutando o lúgubre anil do céu
Baforando fuligem
Fazendo eterno o inverno
A cobrir a paisagem cor-de-ferrugem
A uniformização, a padronização
Causam vertigem
É um mecanismo em funcionamento
Em seu maçante ramerrão
Ressonando lamentos
Não é finalidade
É mero instrumento
Sem vida, sem beleza
Feito de aço e cimento
Moendo sonhos, ilusões
E pensamentos
“Eu vejo o futuro repetir o passado”
Já não vivemos esse tempo?
Havia tanta expectativa
Entre os de baixo
Em cujas gargantas os de cima
Pisavam
Dessas gargantas
Saía um grito de altiva euforia
O grito de um fulgurante alvorecer
Quando este se avizinha
Mas não
Eis que o grito esmaeceu
E a euforia cedeu lugar
Ao tédio
E então, novamente
Frustração e descrença vieram
A substituir o resplandecente
Novo dia
Vejo uma massa excitada e ansiosa
Pronta para incendiar
A própria cama
Oceano de cabeças planas
Chatas e insanas
A alegria e a aventura de participar
De um grande organismo
Coletivo
Estará vivo esse organismo?
Agora, pensando bem
Alarmado eu me pergunto
De onde vem tamanho pessimismo?
Não será o futuro sempre
Uma singular inovação?
Não estaria eu
Com o ceticismo em mente
A incentivar a reação?
Não deveria eu
Com fé e de bom grado
Rejubilar-me
E abrir este cansado coração
À perspectiva da revolução?
Fazer do inverno
Primavera
Quimera
Em fato líquido e certo
Não é questão de boa gramática
Nem exercício de futurologia
É questão de ideologia
Cuja resposta dá-se na prática

terça-feira, 2 de abril de 2013

Certa idade

Voltar bem longe no tempo
Ou a algum distante lugar
Aqui existo e não me tenho
Sou como um rio sem mar

Algo caiu no esquecimento
Talvez havia alguém a amar
Bem quem não me lembro
Está ficando difícil recordar

O tempo passa e não volta
A vida é curta como aurora
E vivemos sempre o agora
Não sei mais o que penso
Da vida nunca me queixo
A vida é rio e eu me deixo

Levar...

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Extremos

Reduzir-se
             Para vicejar
Embotar-se
             Para clarear
Suprimir-se
             Para firmar
Acabar-se
             Para existir
Toldar-se
             Para estar
Minimizar-se
             Para crescer
Obnubilar-se
             Para lembrar
Evanescer-se
             Para ser
Apagar-se
             Para iluminar
Perder-se
             Para encontrar