segunda-feira, 7 de maio de 2012

Cotidianos e desditas

Outro dia insulso
Desenxabida vida
Um fuá cá dentro
Rotinas e desditas
Dores e dessabores
Tantos ex-amores
Havia expectativas
Restou lembranças
Do tempo de criança
Medo da realidade
Medo da verdade
Dê-me esperança
Lídima ansiedade
Sobre o que virá
Coisas da idade
Que, de repente,
Chega sem avisar
E nos vemos nós
Cada vez mais sós
O futuro a avizinhar
A azucrinar-nos
Então, o que serás?
E não há tempo
Ou não há mais
E aquilo que eras
Não será jamais

Entre estradas e devaneios

Tanta pressa pra chegada
Quantas delongas na saída
A morte é tão-só passagem
Híspida e fria é esta vida

Mas necessita-se coragem
Entre encontros e partidas
Tantas idas e muitas vindas
Ao acaso e sabor da viagem
 
Bastante bela é esta estrada
Mas ainda mais bela é a vista
Em meio a matas e pradarias
Ergui minha casa e moradia

Há fim, e para além do fim da linha
Restam-nos magros sonhos solitários
E outros tantos amores imaginários

Vida e poesia

Vivia a poesia que escrevia,
Vida que, como tal, era falsa e vazia.
Aos seus ouvidos,
Ela soava demasiado chinfrim,
Quando não falsa e mesquinha.
Assim como a poesia,
Seu sorriso era morno e sem alegria.
Eis que, num dia qualquer,
Contemplava o movimento da via,
E via que, de idas e vindas,

Da multidão ela se enchia.
Sentiu-se de repente transbordando de vida,
E disse a si mesmo que,
Embora tímida, valia a tentativa.
No quarto, trancar-se-ia,
E só novamente escreveria quando,
Por inspiração divina,
Pensasse alguma coisa de valia.
Mas a graça da escrita não vem de Deus,
Ele o sabia.
Vem do povo, vem do mundo,
Vem, destarte, dos seus.
A certeza gelou-lhe a espinha.
Mergulhar-se-ia em todos e em tudo.
E daquele poço, daquele poço fundo,
Encontraria a substância que sua poesia pedia

Poesia aos fracos

Não se achegue perto, apenas olhe
Senão, logo à sensação do toque,
Qual bicho brabo, ele recua e foge
Deixe que na solidão ele se afogue

Não queira para ti a mesma sorte
Dos fracos, dos de espírito pobre,
Que, temendo escárnio e remoque,
A cada dia um pouquinho morre

Durante toda vida, da vida ele corre
“Se anula, se enterra e se cobre”
 Da desesperança ele fizera um mote

Envelhecendo sonhos

As pessoas que encontrei por essas andanças,
As noites tristes e as cheias de esperança,
As brincadeiras e cantigas de criança,
Tudo, tudo eu levo na lembrança.


Os sonhos e os descobrimentos da infância,
Entre travessuras e meninices, roubei-lhe um beijo,
Ciúmes não havia, nem melindres nem ganância,
Nada entendendo da vida, sentia apenas desejo.


A gente cresce, mete os pés pelas mãos,
Crescer é ficar cada vez mais só e turrão,
A alegria finda e ficamos a procurar uma razão,
Se houver uma, creiam, o esforço não é vão.

sábado, 5 de maio de 2012

É a morte e a vida, Severino

No sertão nordestino a seca grassa novamente. Pergunto-me como anda o sertanejo crispado pelo sol. Haverá mudado alguma coisa em sua vida deste que a caatinga é caatinga? Ainda andará com as mesmas pernas finas, com o mesmo ventre crescido, a mesma cabeça grande? Ainda seguindo as contas do rosário, de vila em vila, fugindo da seca e da fome? Ainda imolado pela mesma sina, a cova rasa, com palmos medida, envolvendo seu corpo parco, cansado de esperar pela terra dividida? Ainda esquecidos... A vida e a morte dos tantos severinos é um poema épico, é morte e vida severina.

Esboço para uma poesia aos trabalhadores construtores de barragens


Refulge o sol através da janela fina,
Reluzindo o ar pejado de partículas
O suor emplastra-lhe a carapinha,
Anunciando o entrar de um novo dia

A mesma cama solitária e vazia,
Não afaga e não lhe faz carícias,
Nem mesmo um abafado bom-dia,

A outro ramerrão que se avizinha

O desjejum modesto é praxe
Uma chávena de café fraco,
De sabor dulçoroso e acre
Acompanha pão velho e chocho
Ele engole o repasto insosso
E sai

Saudade das manhãs com a esposa,
Deixada naquela imensidão agreste
Nalgum chão batido de terra roxa,
Seu único filho bate bola e envelhece

Corta, serra, assenta, aplaina, cava,
Perfura, aparafusa, solda e empilha,
À hora do almoço, dessaboroso da vida,
Não pensa, contemporiza e se cala
Atenaza-lhe a terra a perder de vista,
Que a represa quer ver engolida.

A lida rotineira exige estoicismo
É seviciadora e pouco alvissareira
Na algibeira, nem um troco furado
Nada que se possa ter por salário

Sua força lhe vem de longe, à distância
Da mulher que dele espera uma criança
Do filho ainda na boca da infância
É daí, daí que ele tira a esperança