domingo, 20 de julho de 2014

Mensagem na garrafa

Esta é uma mensagem do passado
Para as pessoas do futuro
É um pedido, para que não façam como nós
Que desperdiçamos nossa juventude
Com coisas fúteis
Sonhando com coisas grandes
Nós, que gastamos nossa beleza
E ficamos velhos e amargos antes da hora
Nós, que deixamos a felicidade para depois
E esquecemos de viver a grande aventura
Que é a vida
Essa é uma mensagem de nós que tivemos quase tudo
Mas que hoje só gostaríamos de outra chance
Nós, que voltaríamos no tempo
Pelas coisas mais simples
Por aquele abraço que não demos
Pelas palavras que nunca dissemos
Pelo amor que não vivemos
Essa é uma mensagem do futuro
Escuta com atenção
Se você a ouve
Ainda há tempo
Essa é uma mensagem do futuro
Para o passado que não tivemos

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Da poesia, só sei da minha

Se me entristeço
Ou se só me sinto
Eu digo
Sem rodeios
Se me indigno
Se sinto ódio
Eu grito
Me revolto
Levanto o punho
Rijo, para cima
É assim minha poesia
Falo de sentimento
Falo do humano
Alegorizo minha vivência
Represento o mundo
Pleno de beleza e violência
Canto a vida
Eis aí minha poesia
Nela não encontrarás
Verdades absolutas
O hino do futuro
O sentido do caminho
Não ofereço respostas
Nem perguntas
Isso é irracionalismo?
Recuso rótulos
Apenas abro o peito
Ofereço minha alma
Traduzo o que vejo
Escrevo o que crio
E fantasio
Sem fé nas certezas
Sem temor das dúvidas
Sem aspiração
Sem premissas
Não é poesia revolucionária
Não perfila um lado
Não busca o essencial
A ideia universal
É efêmera
Contingencial
É apenas um olhar
De uma alma
Entre sete bilhões de outras
Que verte em palavras
Sai do corpo
E encontra o papel
Virtual
E se tu a lês
É porque a tecnologia de hoje
Possibilita
Não fosse isso
Estaria mofando numa gaveta
Esquecida
Na areia do tempo soterrada
Do jeito que tem de ser
Se tu não entendes
Não há nada para entender
Mas se algum valor há nela
Então, me diz você

Olha a hora

Apita o apito
Desperta
Olha a hora
Engole o grito
Olha o relógio
Olha a ciranda
Olha a gira
Gira-gira do ponteiro
Rápido, se apressa
Não embroma
Corre não anda
Atrás do tempo
Todo ano o ano inteiro
Da hora
Eu quero ver quem é que ganha
Ocupa-te, vai
Que o dia avança
E de minuto em minuto
Num segundo
Outra hora se esvai
Olha o tempo
Olha o relógio
Olha a vida da janela
Olha o mundo do escritório
Consulta agenda
Cumpre tarefa
Bate meta
Bate cartão
De tanta pressa
Bate as botas
De infarto do coração
Enfim descansas
Na cabeceira
Do caixão
Já vais tarde
Das férias que não gozaste
Goza agora pra toda eternidade

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Palestina

Numa tripa de terra
Seca e árida, conflagrada
Quase do mapa apagada
Homens e mulheres
Acossadas e humilhadas
Se apinham
A mercê de Golias
Neste sitiado rincão
Ninguém entra ou sai
Por terra, mar ou ar
Dos nazistas
Lembra os guetos
Campos de concentração
Rafah é Varsóvia
Quem diria, os israelitas
Ontem vítimas
Hoje verdugos
A história e sua trágica ironia
Falam de terroristas
Mas só vejo famílias
Pessoas normais
Crianças mutiladas
Pais sem suas filhas
E filhas sem seus pais
É um holocausto
Que fingimos não ver
E nada saber
Dizem que nessa terra antiga
Sempre houve conflito
E sempre vai haver
Mas não vejo guerra
Vejo só genocídio
E covardia
Com a cumplicidade habitual
Das potências imperialistas
E de nossa omissão moral
Eu queria que essa poesia
Atravessasse os mares
E chegasse à Palestina
Que fosse como um grito
Ecoando mais alto
Que as bombas sionistas

quinta-feira, 10 de julho de 2014

(In)Definição

O conceito
É um traço
Circunscrevendo
Um espaço;
Uma linha
Contendo
Um conteúdo;
Um conjunto
Delimitando
Pertença
E não-pertença;
Tanto faz se
Circunferência
Ou se quadrado;
Sem traço
Sem laço
Desfaz a forma
Liberta o espaço
Mistura o conteúdo
E eu vazo
E me espalho
Em movimento
Pelo vazio
Do mundo

Vômito

Como ser feliz neste mundo?
Se para buscar a felicidade
Deve-se marchar
Marche soldado,
Marche sem olhar para baixo!
Para ser um feliz solitário
É preciso dizer:
Foda-se todo o resto!
Pisar em cabeças, atolar-se em sangue
Comer merda e agradecer
Pela oportunidade
Para todo lado que eu olho
Vejo injustiça, covardia, crime
Quando virá o castigo?
Para o tédio, a pobreza de espírito
As preocupações mesquinhas do filisteu
Confortável em sua ignorância
Eu sinto náusea
Que me fermenta as entranhas
Náusea o suficiente para vomitar
Para vomitar por anos a fio
Vomitar até afogar esse mundo
Lavá-lo em vômito
Como Deus no dilúvio
A lágrima
Só se for de ódio
O grito
Será de revolta
E não haverá volta
Nem perdão

Como antigamente

Eu queria poder chorar
Como eu chorava
Antigamente
Ter a fé que costumava
Inocentemente, sustentar
Quando tudo era novo
E podia errar-se à vontade
Porque era a primeira vez
E porque haveria outras
Agora o que resta são lembranças
Arrependimentos e não esperanças
Que me vergam os ombros
E secam-me as lágrimas
Chega sempre o ponto
Onde se abre mão da felicidade
E se deixa arrastar pelos acontecimentos
Porque se está muito velho e machucado
Pra tentar novamente
E porque se está ainda muito moço
Pra desistir definitivamente
Tudo o que eu queria era chorar
Como eu chorava
Antigamente

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Ser meio surdo

De início, deixemos as coisas bem claras: ser meio surdo não é igual a ser inteiramente surdo, de modo que eu agradeço pela minha meia surdez. Ser meio surdo é mais ou menos como, guardada as devidas diferenças, ser míope (o que eu também sou, diga-se de passagem): tem consequências ruins, mas que também não são tão ruins assim. É preciso saber conviver com a meia surdez.

Escutar uma piada por exemplo é um problema. Enquanto todos estão rindo às gargalhadas, você faz aquela cara de quem chegou no meio da conversa, embora esteja desde o primeiro “então, tinha um...”, porque não escutou justamente o trecho chave para a compreensão da piada.

Falar com uma atendente de telemarketing de call center é outra grande dificuldade. Você nunca entende exatamente o nome da pessoa, se é Josileine ou Josicreide, Cristiane ou Gislaine, Vanderson ou Vanildo, obrigando você a escolher um nome à revelia e se despedir do Joilson chamando-o de Jair. 

Dar aula pode ser uma das piores experiências para um meio surdo. Se fosse o caso de que todos os alunos perguntassem de uma vez, você poderia até ficar feliz. Mas na maioria das vezes o problema da meia surdez em sala é que é impossível ouvir a pergunta de uma ou duas meninas estudiosas enquanto o resto dos trinta e oito demônios fazem a terceira guerra mundial na sala.

Mas nada é mais embaraçoso do que tentar flertar numa casa noturna badalada ao som de um DJ ou banda de rock. Você não vai entender nada e vai ficar com aquela cara de bobo variando os meneios de cabeça entre sim e não junto com um indecifrável “ahan” de tempos em tempos. Essa é a maior causa de insegurança entre os meio surdos, situação que exige deles habilidades de leitura labial, filologia e um pouco de vidência.

Por isso, quando você, que tem a audição perfeita, se deparar com um meio surdo na balada e achar que vale a pena dar uns amassos, faça um favor para vocês dois, corta a papo e vai direto ao beijo.