terça-feira, 29 de outubro de 2013

Em tempo

Enquanto o mundo não acabar
Enquanto nós não desistirmos
Enquanto os sonhos não morrerem
Haverá tempo - de sobra -,
E nunca será tarde demais

Anda

Levanta a cabeça
Firma os pés no chão
Inteiriça a espinha
Aquieta o coração
Põe no rosto um sorriso
Crispa a palma das mãos
Mira o horizonte
Respira fundo
E anda
Anda
Anda...

O grito

Parecido com um eco ao contrário,
Vem num crescente, avolumando-se,
Ao invés de estiolar-se no horizonte;
Preenchendo os cânions das entranhas,
Rimbombando pelas paredes da garganta,
Forcejando para sair pela boca cerrada,
Que, quase sempre, lhe fornece resistência.

O grito quer explodir, como um vulcão,
Derramar-se do lado de fora do corpo,
Invadir o mundo como um tsunami,
Arrastando tudo para bem longe.
Quanto mais se represa o grito,
Mais violentamente ele investe contra a barragem,
E mais e mais força acumula para a investida final.

O grito não pode ser contido indefinitivamente,
Ele é como uma dessas forças elementares da natureza;
Podemos tentar prever seus abalos sísmicos,
Minorar suas consequências devastadoras,
Mas jamais assenhorar-se completamente de seu poder.
Ele será sempre a premissa newtoniana do mundo humano;
A garantia de que as coisas permaneçam em movimento,
Mas que mudem de sentido quando necessário,
Mantendo o nosso universo em permanente expansão.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Em pé

Se não der
A gente tenta
De novo
E de novo
E de novo ainda
E quantas vezes
For necessário
Se cair
A gente levanta
Ginga
Samba
Anda
Se se perder
A gente volta
Do começo
E tenta caminhos
Diferentes
E outros
E mais outros
E quantos houver
Só não seremos
Culpados
Por não tentar
Afinal
Quem pode ser
Culpado
Por tentar?

O trabalho do amor

Amor não se ganha,
Antes se conquista
Amor não é de graça,
Porque não é uma dádiva divina
Não desce dos céus
Mas se eleva do chão
É fruto de mui duro trabalho
Como o camponês que se obstina
Na terra que dia-a-dia lavra
Para dela tirar o fruto
A comida, que o alimenta
Tal como o amor
Verdadeiro alimento da alma
O amor pode ser oferecido,
Pode ser dado
(e perdido)
Mas nunca sem esforço
Ele não acontece, assim, ao acaso
Porque o amor é resultado
Muito mais do que começo
É como um diamante bruto
Precisa ser lapidado
Pelas mãos pacientes de um joalheiro,
De um artífice habilidoso
Pelo amor se luta
E vencer não é o mais importante
O importante é tentar
E nunca desanimar
Se você ama
Não desista
Se empenhe
Persista
E, um dia
Há de vir à luz
Uma criança
De nome amor

Em tempos de Esparta

Você é partidário da força como direito
Acha que lá fora vige um estado de natureza
Infunde temor e confunde-o com respeito
Está aqui para ganhar e não para perder
O poder é-lhe a medida da felicidade
Quanto a mim?
Eu sou amante da verdade e da beleza
Interessa-me as artes e a filosofia
A minha parte quero em paz e amor
Sou um cidadão ateniense em tempos de Esparta

domingo, 27 de outubro de 2013

Elogio ao amor romântico

Estão tentando aposentar o amor romântico
O amor é burguês, dizem uns
O amor é improdutivo, dizem outros tantos
“Eu luto, não amo”
“Não há tempo; primeiro a carreira, depois quem sabe”
É o que dizem os jovens de hoje
O amor é fútil, é piegas, é idealista, é opressor, é falso
Amor? Só se for o próprio
Talvez pela humanidade, nunca por um indivíduo
Amor por princípio, não por sentimento
Amor racional, amor interessado
Amor desencantado, pós-moderno...
Mas eu quero acreditar que o amor ainda existe
O amor romântico, sentimental, tolo, puro
Amor digno de pena, trágico e cômico
Amor que rime com dor
Amor à primeira vista
Amor que não pede nada em troca
Amor sem possessividade, sem egoísmo
Amor que não reclama, que aceita
Amor criança, ingênuo
Amor que espera, paciente
Que sofre, sem remorso
Porque para ele não importa o tempo
Tem a eternidade para si
Para o amor dá-se sempre um jeito
Ele basta-se, é fim em si mesmo
Amor solitário, platônico
Amor condenado, mas satisfeito
Amor de bom grado abnegado
Amor que só quer amar
Ainda que não seja amado

Ansiedade

A ansiedade, esse desassossego interior
É como uma luta que se trava consigo mesmo
No mais íntimo do ser
Pela posse do corpo e da mente
Se por fora mostra-se a razão no controle
Por dentro, exércitos de paixões digladiam-se
Dilaceram fragorosamente o espírito
E é possível senti-los, fisicamente
Movimentando-se, batendo-se,
Comendo as entranhas, liquefazendo as tripas
Cá dentro reina o caos, a confusão
Lá fora, a aparente tradução da ordem
Porque o mundo não espera
Espera que a vida siga
E as coisas sejam feitas
Quem ganha a batalha responde pelo estado de saúde mental
Embora a razão esteja em vantagem na maioria das vezes
Há horas que ela nada pode fazer face ao avanço da ansiedade
Ainda que saibamo-la irracional
A ansiedade é uma expectativa que não cessa
Que com nada se satisfaz e a tudo deseja
Mesmo que do quê não tenha exata certeza
É a espera por sabe-se lá o quê
É a angústia do devir
E o atestado da própria impotência
É um não sabe se vai
Ou se fica
Se deixa ir
Ou se luta
É um querer fazer
Aconteça e não acontecer
É o medo do futuro enrijecendo os nervos
Embaçando o pensamento
Esmorecendo a vontade
É parte da triste condição humana
E seu parco poder sobre a ordem do mundo
Sua exígua previdência, sua mísera potência
Sua inconstância e insegurança intrínsecas

sábado, 26 de outubro de 2013

Os olhos

Que segredos antigos, imortais, esotéricos, guardam esses olhos fascinantes e misteriosos, olhos de esfinge?

Que oceanos impenetráveis, selvas luxuriantes e montanhas majestosas escondem, como continentes virgens, intocados pela mão humana, esses olhos felinos?

Olhos de Monalisa, meio animais, meio angelicais, situados além do bem e do mau, acima do céu e do inferno; olhos profanos e divinos.

Olhos que seduzem, que cantam e encantam como o canto da sereia, e fazem os meus facilmente cativos, como navegadores incautos, de sua beleza mítica.

Olhos magnetizantes, hipnóticos, cujo fulgor, belo e mortal como o sol, fascina e enfeitiça os meus como se fossem mariposas presas à lâmpada.

Pobre dos meus olhos, indefesos, totalmente entregues como rês, sem conseguir desviá-los um segundo sequer, como se piscar na presença daqueles olhos fosse um sacrilégio, um pecado mortal.

Esses olhos verdes, entre esmeralda e turquesa, duas preciosidades a procura das quais, como mineradores febris, eu arriscaria tudo, numa cartada de sorte, atrás de sua rara riqueza.

Quem mira esses olhos sabe o perigo que corre, o risco de cair na armadilha de suas águas, claras e plácidas na superfície, porém turbulentas em suas profundezas, e dela nunca mais sair; mas não se pode evitar.

Olhos de Medusa: nem o risco de tornar-se pedra impede o trágico herói, tal qual o gato vitimado por sua inescapável curiosidade, de arriscar-se a olhar esses olhos, porque a morte não é nada se a recompensa é a sua visão.

Agora sei como se sentia o pobre Bentinho, ao mesmo tempo vítima e cúmplice, incapaz de resistir àqueles olhos oblíquos de cigana dissimulada, àqueles olhos de ressaca que parecem prontos a arremeter-se contra a praia numa tarde tempestuosa, para castiga-la, arrasá-la, e por fim tragar seu espólio para dentro do fundo do mar, onde há de ficar por toda a eternidade.

E como se deseja que eles o fizessem! Como, de bom grado, se espera ansiosamente pelo dia em que esses olhos engolir-nos-ão como a escuridão de uma noite sem lua!

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

À quem possa interessar

Neste mar de braços, mãos e lábios
Urdido por palavras desconexas
Que um dia foram promessas
Cheias de pressa em ser feliz
E que hoje jazem esquecidas
Envelhecidas e desbotadas
No fundo de um armário empoeirado
Ou são simplesmente perdidas
Para se reencontrarem tímidas
Como crianças, renascidas, redivivas
Na boca dos apaixonados
No grito dos inconformados
No pulso em riste dos revoltados
É neste mar onde nos afogamos
Que eu mergulho, afundo, vou ao fundo
E, mesmo imerso em palavras, sinto-me mudo
As palavras, se extraviadas pelo meio do caminho,
Encontrar-se-iam no beijo fatal dos extremos?
O último e mortal beijo que daremos
Aliás, sem qualquer arrependimento
Abraços chegam porque têm de chegar
Seja por terra, água ou mar
Nós damos um jeito de os enviar
Um abraço – livre, humano, fraternal
Que teria acontecido com o nosso serviço postal?
Para extraviar tantos abraços por aí?
Quem dera fosse a causa excesso de trabalho!
Aquele abraço que mandei
Dias desses, filho bastardo de noite insone
Cheio de saudade, e que de tantos cuidados cerquei,
Chegou ao destinatário?
Tê-lo-ido encalhar num recife de coral?
Ou caído no abismo que finda o mundo?
Depois da queda, onde teria ido meu abraço parar?
Encontrara, algo bobo, outros braços?
Aos quais pudesse se agarrar?
E que ensinasse-lhe como abraçar de novo?
Pois se alguém o encontrar
Saiba que meu abraço não tem dono
Não é de ninguém e é de todos
É de quem o achar
Como todo abraço,
Ele só precisa de outros braços, abertos
E um peito para chamar de lar

sábado, 12 de outubro de 2013

Que se vayan todos!

Que se vayan todos!
Os arrivistas, os gananciosos
Aves de rapina do mundo dos negócios
Pressurosos em caçar e acumular numerário
Incapazes de amar, só raciocinam com seus bolsos
Entregues à sanha de desejos sórdidos
Investem a vida em egocentrismo e competição
E o que lucram em capital, perdem em humanidade
Deixando um saldo de mesquinharia e indignidade
Como apólice banhada em sangue aos que virão

Que se vayan todos!
Os machistas, os homofóbicos
Os racistas, os xenofóbicos e demais tipos preconceituosos
Ressentidos de sua própria pequenez e mediocridade
Medrosos, alimentam pré-conceitos abjetos e mórbidos
Por crerem-se mais importantes, genuínos e dignos
Quando na verdade são o lixo moral que a história deverá descartar
Logo, num futuro próximo

Que se vayan todos!
Os elitistas, os vaidosos
Os soberbos e presunçosos que não passam de tolos
Preocupados demais com seus umbigos fátuos
Não enxergam um palmo além de seus narizes empinados
Imerecidos da posição que ocupam entre seus pares
Em cujas cabeças se apoiam com pés que nunca viram trabalho

Nunca olham para baixo
E por isso não sabem que estão com os dias contados
Vamos nos sacudir com tanta força
Que eles vão desmoronar sobre o chão
Estatelados e pisoteados
E nós gritaremos então:
Que se vayan todos!

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Conselho para uma vida vivida

Aconselha o homem prático,
Que uma hora chega o dia,
De se pensar NA vida
E retruca-lhe o sábio:
Mas pensar porque na vida,
Se pensar é pensar COM a vida,
E PARA a vida?

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Sabedoria

Muitas pessoas passam ao longo da nossa vida
Sei que é duro deixa-las ir, mas não se aflija
Não se sinta responsável por tantos amores
E, acima de tudo, não queira doutriná-los com seus valores
Aprenda o que tiver que aprender
Ensine o que tiver que ensinar
Você se torna parte de cada uma delas
E cada uma delas se torna um pouquinho de você
Mas todos nós seguimos sendo únicos
Cada pessoa encontra em si mesma seu próprio caminho
Só que, no final, encontramo-nos todos no mesmo destino

A vida 2.0

Estou esgotado de estar conectado a todo tempo
De ser perseguido pela exigência de saber de tudo
De estar em todos os lugares ao mesmo tempo
De ser parte de qualquer evento que acontece no mundo

Tenho que ser multitarefas, proativo
Preciso atualizar constantemente o meu Windows
Ser analógico, 1.0, é a morte!
Obsolescência é um crime capital
Produzir informação é mais importante do que pensar
Ter seguidores é mais importante do que ter amigos
Curtir é o melhor remédio
Nesse universo, você vale os bits que recebe
O caráter opera agora como um google

Meus olhos são uma tela full hd
Meu horizonte tem 1080 pixels e 64 bits
Não tenho mais cérebro, tenho um IP
Minha mente virou ondas eletromagnéticas
É parte da consciência coletiva em wi-fi
Não sou corpo e espírito
Sou dados binários, sou internet
Por favor, só me toque em bluetooth
Quer ser meu iphone?
Venha, eu te adiciono
Você vai me curtir e compartilhar
Eu animo como gifs em tumblr
Minha vida é um youtube, com propaganda
Estou globalmente geoposicionado
Tenho 10 gigabytes de velocidade
Crescem hiperlinks pelas minhas orelhas
Meu cabelo está cheio de redes sociais
No meu rosto tem photoshop
Meu mundo é um perfil
E nele eu sou o administrador
Eu posto, eu comento, eu twitto
Eu curto, eu compartilho, eu publico
E ai de mim se resolvo puxar a tomada
Ai de mim se cancelo o plano banda-larga
Mandam me buscar a toques de celulares
E terei de prestar contas no tribunal do facebook