segunda-feira, 30 de junho de 2014

Meu jardim

Meu jardim tem hibiscos
Onde beija o beija-flor
No jardim dos vizinhos
Ele não beija com tanto amor

Vaia e pobreza sociológica

Quem vaiou a presidente Dilma na abertura da Copa? Essa é uma pergunta enganosa, porque supõe que se conhecermos a origem social dos vaiadores saberemos como pensam e agem como um todo a “classe” a qual pertencem. Essa generalização, porém, não é tão perigosa quanto a raciocínio oposto, o qual é muito mais comum: assim, os marxistas deduzem o comportamento das pessoas de determinada classe com base na ideia que fazem do comportamento das pessoas desta classe. Temos aí um raciocínio circular, tautológico. Nesse sentido, ao constatar que o público do estádio estava composto em sua esmagadora maioria por pessoas de relativamente elevada renda (o que já é suficiente para que eles concluam que se trata da burguesia e/ou pequena burguesia), e ao constatar seu comportamento, dizem: aí está, a burguesia é conservadora, reacionária, como havíamos predito. Vê-se logo a inconsistência desse raciocínio: a realidade é estereotipada para que caiba nos limites dos preconceitos de quem a estereotipa e, uma vez que a realidade, assim estereotipada, efetivamente cabe dentro do estereótipo, isso é a comprovação de que o estereótipo é empiricamente correto. O estereótipo em questão, o comportamento relacionado às classes, é explicado com base num reducionismo grosseiro: como as classes são construídas, conceitualmente, em relação à sua posição na estrutura econômica, o comportamento de seus membros é derivado dessa posição e, portanto, dos interesses materiais que ela implica. Para explicar as variações de comportamento entre os membros de uma classe, os marxistas subdividem arbitrariamente as classes em frações de classe, relacionando cada uma delas a determinado comportamento (assim a pequena burguesia é associada ao comportamento mais conservador ou mesmo reacionário por causa da sua posição na estrutura econômica). Deste modo, preservam a suposição inicial segundo a qual os interesses materiais das classes explicam seu comportamento coletivo. A verdade é que o conceito de classe, muito útil para muitas coisas, não é tão útil quando se quer compreender valores, atitudes, comportamentos, crenças, hábitos, etc., a não ser de um ponto de vista muito genérico e abstrato. Tendo em mente que o público do estádio era composto por pessoas com relativo poder aquisitivo, sabemos que, em termos de classe, ele compunha-se, grosso modo, da classe média para cima. Vaiar a presidente Dilma, petista, vista como de esquerda, ex-guerrilheira, parece um comportamento previsível da parte dessa camada social, ainda mais sabendo que a maior parte da sua base eleitoral vem das camadas de menor renda, especialmente as localizadas no nordeste do país. Entretanto, daí derivar um comportamento típico de uma determinada classe ou fração de classe é um salto mortal que diz mais sobre a ideologia de quem julga do que da própria coisa julgada. Eu tenderia a explicar esse comportamento com base nos preconceitos profundamente arraigados nas “velhas elites”, isto é, aquelas que conquistaram e se mantiveram no poder político, econômico e cultural antes dos governos petistas e, por isso, não mantêm com ele nenhuma dependência sentimental ou simbólica e cuja visão de mundo exerce enorme peso na produção de discursos. Para elas, o PT sempre vai ser um “outsider”, por mais que ele sirva aos seus interesses econômicos, e sempre vai encarnar tudo aquilo que elas repudiam: os trabalhadores, os nordestinos, os cidadãos comuns, a esquerda. As “novas elites”, do tipo Eike Batista, embora mantenham uma ligação mais orgânica com o PT, não deixam de manter uma relação ambígua com ele. Em segundo lugar, é preciso olhar para o contexto sociopolítico de radicalização e crise de legitimidade política, o que facilita de alguma maneira vaiar uma presidente num evento público como a abertura da Copa. Eu examinaria, em terceiro lugar, até mesmo os efeitos psicológicos decorrentes de manifestações coletivas de massa, potencializados num ambiente como um estádio de futebol. Enfim, há muitos fatores para os quais olhar, e a classe social é apenas um deles, quiçá nem o mais importante.

Carpe diem

The life
Is a ride
Enjoy yourself
Because it pass
Really fast
In a blink
Of eyes

Qual cachorro

Eu sou parecido
Com um cachorro
Só funciono
Sob a ameaça
De um castigo
Ou sob a promessa
De uma recompensa
Se você me arreda
Abaixo o nariz
Meto o rabo
Entre as pernas
E volto
Achando que algo eu fiz
Para merecer isso

Os primeiros ais

Como doem
Os primeiros ais
Do coração
Como coçam e inflamam
Os primeiros sinais
De uma paixão
Incuráveis
Jamais cicatrizam
Nem nunca desaparecerão
Ainda que durem o tempo
Duma canção
De antigos carnavais
Gravados a ferro e fogo
Como memoriais
Sob o relicário do coração
Serão sempre virginais
Lembranças dum tempo bom
Quando os ais
Não eram de fome nem de solidão
Mas de paz e afeição
Da ilusão doce
Que é a primeira paixão

Buscar a verdade

A busca da verdade
Na verdade não está
Está tão-somente na busca
No ato em si de buscar
E não encontrá-la
A sabedoria consiste
Precisamente nisto
Em saber que verdade não há
E satisfazer-se com isso
Com o simples prazer de buscar

Saudade (mais um pouco de)

Quanta saudade do que já passei
De todos e de tudo um pouco
Saudade do passado e do futuro
E do que nem dizer eu sei

Muita saudade do que eu fui
Das coisas que nem conheço
Saudade de todo um mundo
E dos lugares que nunca verei

Sobra saudade disso e daquilo
Dos amores que nunca terei
Saudade da família e dos amigos
E das bocas que experimentei

Saudade da infância de menino
Das experiências com que ainda presentear-me-ei
Saudade do que era triste e belo
E das confissões que quem sabe um dia farei

Saudade daquele nosso momento
E dos fatos que esquecerei
Saudade do que poderia ter sido doutro jeito
Pois jamais saberei

Da vida que vivi e vivê-la ainda hei
Fica a saudade guardada no peito
Não há espaço pra arrependimento
Só saudade, doce saudade, sentirei

Meu partido

Não é contra
Quase nada
Exceto certezas
Muito certas
Verdades
Muito verdadeiras
Não tem bandeiras
Nem programa
Defende pouca coisa
Dúvidas
Questionamentos
Perguntas
Ao invés de respostas
Prescinde de carteirinha
Ou assembleias
Não tem maioria
Nem direção
É só fazer o quer vier à veneta
Pois há de ser tudo da lei
Nossa única máxima
Meu partido não é sério
Tampouco a salvação
É utopia sem revolução
Não faz política
Nem usa a razão
Faz arte, bagunça e confusão

Um síntese entre Benjamin e Raul

Se não for um crime
Permitam-me substituir a metáfora benjaminiana
Demasiado classicista e dramática
Para o gosto contemporâneo
Por uma mais simplória e despretensiosa
Ao estilo raulzito
A história é uma charrete velha
Dessas que recolhem “recicráveis”
Ataviada com acessórios automobilísticos esportivos
Calota Audi, spoilers, vidro fumê
De modo que quem de frente a vê
Cuida tratar-se de carro importado
Modelo último tipo, tope de linha
Mas depois que ela passa
Espanta o estado miserável em que se encontra
Madeira podre sob sucessivas demãos de tinta desbotada
Estrutura enferrujada
Sustentada por arrimos improvisados
A charrete vem puxada por um burrico
Fantasiado de alazão branco
A crina é de aplique e o casco tem salto
Para que pareça mais imponente e alto
Mas o andar e o porte, abatido
Sem brio, desasado, abobado
Não enganam
Acontece, no entanto
Que a charrete ainda não perdeu o condutor
O infeliz se veste em traje de gala
Exibe galardões militares recobertos de sangue
E se porta como se trouxesse a Madona no passageiro
Às suas costas, o bagageiro abarrota-se de lixo
De todo tipo de porcaria que ele passa recolhendo
Enquanto olha para o chão
Ignora que se dirige a um beco sem saída e estreito
O burrico vai porque acostumou-se a ir
O condutor não atina para o caminho porque só olha para baixo
Cuida-se importante e distinto, mas é pobre e ignorante
E a história segue com o nome de progresso

Muito prazer

Se faço cara de bobo
É porque sou de fato
Se travo e me calo
É porque sou tímido
E se abro um sorriso
É pela mesma razão
Sou triste, atrapalhado
Perdido e problemático
Desvio o olhar no chão
Evito pessoas e fujo
Nunca sei o que dizer
E ainda sou míope
E um pouco surdo
Isso é tudo que tens que saber
Eis o manual do João
Do Jão-Sem-Jeito
Veja quão é simples
Não tem segredo
Tirando os defeitos
O resto é só coração
Também quero ser feliz
Igualzinho a todo o mundo

Remédios e teorias

Esse sentimento
De me dissolver
De me diluir no mundo
De com ele tornar-me um só ser
De estar com todos
E tudo fazer
A um só tempo
Esse sentimento
Que grita dentro do peito
Que força e quer sair a todo custo
Como uma explosão
A psicologia diz que é ansiedade
E dependendo da intensidade
Ministra sedação química
Porque sentir demais faz mal à psique
Já a sociologia
Diz que ele é uma anomia
Uma condição da pós-modernidade
Fragmentada, líquida
Eu digo que é amor
Que é um bem-querer intraduzível
Absoluto e impossível pela humanidade
Pela natureza e pela vida
Não me deem remédios
Não me expliquem teorias
Deixem-me senti-lo
E escrever poesias

Há sempre uma primeira vez

Beije
As bocas
Que por aí encontrardes
Como se fosse a primeira
Os lábios
Você morda com a fome
De quem come e nunca se sacia
As mãos
Segure bem firme
Como se sumisse o chão sob os pés
Os sexos
Explore como um viajante
Em mata virgem e bravia
Aproveite
Porque cada vez
É como se fosse a primeira
Única e sem volta
Antes que acabe
E era uma vez...
Para a vida inteira

Das notas

Quem se sente SOL
E perdeu a RÉ
Não sinta DÓ de SI
FÁ como MI
Vê LÁ um violão
Que SUSTENIDO canto
Faz BEMOL ao coração

O homem do saco

O pequeno Luca era ainda um neófito neste mundo. Era esperto, mas seus cinco anos de idade não lhe conferiam grande experiência para que pudesse discernir e compreender fatos básicos da vida e dos seres humanos. Por exemplo: porque aquele senhor passa seus dias sentado naquela calçada, uma das mãos estendidas e voltadas para cima, olhar suplicante, balbuciando coisas indiferentes para os passantes indiferentes? Porque, quando cai a noite, ele não volta para casa? Porque deita-se debaixo daquela marquise e, sobre papelão imundo, dorme, envolto em trapos? Não terá mãe? Será que ela ralhou com ele, como a minha ralha comigo, fazendo-o fugir de casa?

Entre as frinchas do portão do condomínio, Luca podia vê-lo, a algumas dezenas de metros de sua casa. Às vezes, perdia horas a observá-lo. Sabia que ele dormia ali porque, numa madrugada, saíra escondido do apartamento e descera até o portão para ter certeza. Quando saia para ir à escolinha, o carro passava rente ao homem mendicante, e Luca colava o rosto à janela para analisa-lo melhor. Isso era o mais perto que podia chegar. Inquiriu o pai sobre quem era aquele homem e o que ele fazia ali. A resposta que recebeu não aliviou-lhe em nada tantas perguntas cruéis, tantos mistérios:

– É só um vagabundo, filho. Não tem trabalho e, por isso, não tem onde morar.

E por que não tem trabalho? E o que o trabalho tem a ver com ter onde morar? E, afinal de contas, o que seria um vagabundo? Não somente não obteve resposta inteligível, como as perguntas se multiplicavam. Recorreu à mãe.

– Ele está nessa condição porque não estudou, querido. É por isso que você tem que estudar, pra ser alguém na vida.

Deu nelas por elas. Tudo isso não fazia o menor sentido para o pequeno Luca.

Um dia ouviu uma história estranha e assustadora sobre um tal “homem do saco” que sequestrava as criancinhas que não se comportavam. Lembrou-se do vagabundo-sem-trabalho-e-sem-estudo, como definira-o seus pais, que vira e mexe trazia e levava um saco grande e preto nas costas. Perguntou à tia como se parecia o homem do saco, e a reposta deixou-o atônito. A semelhança era tamanha que perguntou-se se não poderia ser ele, então, esse homem malvado a carregar criancinhas desobedientes no saco preto.

Certa noite o condomínio acordou em polvorosa no meio da madrugada. Choro, gritaria e um corre-corre de um lado pro outro. Luca sumira. Seu pai dava de dedo na cara do porteiro, acusando-o de negligência com suas obrigações, enquanto a mão, catatônica, era acudida por uma vizinha no hall do prédio. Uma voz lúcida atravessou a agitação com a razoável hipótese de que aquilo não passava de uma travessura de criança. Montou-se assim uma força tarefa de busca.

Reviraram o prédio de cima a baixo e nada encontraram. Ganharam a rua, e mal deram uns passos avistaram o menino ao lado do homem esfarrapado e sujo. Correram em direção a ele, com ódio nas ventas e prontos para linchá-lo, mas estacaram a alguns passos. Luca dormia tranquilamente e o homem nem parecia dar-se conta da sua presença. Em volta deles, Luca desenhara com um giz-de-cera colorido os contornos de uma casa, com direito até a chaminé e um sol radiante e sorridente.

Casa do Pai-Jão

Rede e violão
Muito café e chimarrão
Livros e textos pelo chão
Filmes e nada de televisão
Cosidos e assados no fogão
Mousse e doce de mamão
Vinho caubernet sauvignon
E música nas caixas de som
Yoga e meditação
Paz, amor e união

sexta-feira, 6 de junho de 2014

O vento (II)

Quanta saudade do que já passei
De todos e de tudo um pouco
Saudade do passado e do futuro
E do que nem dizer eu sei

Muita saudade do que eu fui
Das coisas que nem conheço
Saudade de todo um mundo
E dos lugares que nunca verei

Sobra saudade disso e daquilo
Dos amores que nunca terei
Saudade de fulana e de ciclano
E das pessoas que um dia beijei

Saudade daquele nosso momento
E dos fatos que esquecerei
Saudade porque poderia ter sido doutro jeito
Jamais saberei

Da vida que vivi e vivê-la ainda hei
Fica a saudade guardada no peito
Não há espaço pra arrependimento
Só saudade, doce saudade, sentirei

Saudade

Quanta saudade do que já passei
De todos e de tudo um pouco
Saudade do passado e do futuro
E do que nem dizer eu sei

Muita saudade do que eu fui
Das coisas que nem conheço
Saudade de todo um mundo
E dos lugares que nunca verei

Sobra saudade disso e daquilo
Dos amores que nunca terei
Saudade de fulana e de ciclano
E das pessoas que um dia beijei

Saudade daquele nosso momento
E dos fatos que esquecerei
Saudade porque poderia ter sido doutro jeito
Jamais saberei

Da vida que vivi e vivê-la ainda hei
Fica a saudade guardada no peito
Não há espaço pra arrependimento
Só saudade, doce saudade, sentirei

Beija-flor

O beija-flor só namora
É delicado e esbelto
Como um hibisco
Mas quando abre o bico
Cruz credo, que coisa horrorosa!
Canta, não, seu beija-flor
Que sua voz é feia e rouca
Só beija, com amor
A minha boca

Escolha

Dói fundo no coração
A condição humana
Ter que fazer escolhas
Como se as pessoas
Fossem itens num cardápio
Oferecidas como opção
Quando cada uma delas
É especial e única
Me envergonha
Colocá-las numa escala
De valor e importância
Quando todas elas
São iguais por direito
Completas e plenas
E o medo, a angústia
De magoar quem se ama
De tratar as pessoas como meio
De usá-las
Com que direito?
Esse medo me consome
De ser egoísta
E não ser de fato livre
Porque a liberdade
Tem de confundir-se
Com egoísmo?
Isso é injustiça!
Eu não posso querer apenas uma
Quero a humanidade toda
Como quero a mim mesmo
Como isso pode ser bom e ruim
Ao mesmo tempo?
Viver é escolher
É dizer: você eu quero
Mas não você
E como fazer
Para não magoar ninguém?
Acho que o problema é esse espaço
Que no coração eu trago
Grande demais só pra mim
E, nesta viagem
O amor das pessoas
É a bagagem
Que eu levo no caminho
Para não magoá-las
Só há um jeito
O segredo
É deixa-las passar
Como um passarinho

Quarta-feira

Eu sou assim
De cinzas
Pobre de mim
Cuja vida inteira
É uma quarta-feira
Sem fim

Meu violão

Se para os males do coração
Não existe nenhuma cura
Ao menos conforto há
E eu o encontro no som
Da palavra cantada
Que suave embala
Os acordes de meu violão

Viva a música!
Poesia em forma de canção
Viva a banda
Que toca velhos sambas
Em acordes menores
Neste dissonante coração