sexta-feira, 19 de julho de 2013

Família sem lar

Ela passa por esta rua sempre
Traz uma criança a tira colo e outra no ventre
A terceira, já caminha, vai à sua frente
Batendo palmas, pedindo trocados
Aos cidadãos que por elas passam apressados
Alheios, totalmente indiferentes
Àquela gente de andrajos
Vistas, quando não são-lhes invisíveis, como um estorvo
Circulando entre os carros no semáforo
O clássico gesto, inconfundível
Solicitando o que solicitam os miseráveis
Nem é preciso que o motorista se dê ao trabalho
Este responde através do vidro fechado mesmo
E ela continua mendigando a esmo-
Lá, por onde passam engravatados em automóveis importados
Às vezes alguém os toca de lá
Mas, tal como cachorros sem lar
A família invariavelmente retorna àquele lugar
De homens airosos e abastados
Os bolsos cheios, os filhos gordos e rosados
Uma moeda não lhes falta em troca de consciência aliviada
Aquela mulher lhes presta um serviço, de fato
Limpadora de consciência, assim devia ser chamada
Ter profissão reconhecida e carteira assinada
Alguns fazem-lhe festa, dão-lhe tapinha nas costas
Fingem-se amigos e logo vão se embora
Esses são clientes preferenciais
E ganham serviço extra
Saem com a vaidade satisfeita
A consciência reluzindo como cristais
Dormem o sono dos justos
Sentem o peito leve e puro
E rezam tranquilos as missas dominicais
Seguros de serem bons cristãos
Já os mais duros de coração
Justificam não fazer mais do que a obrigação
Um prato de comida aqui, um agasalho ali
Está feita a contribuição por um mundo melhor
Mas passa-se o tempo, e ó
Olha ali as coisas do mesmo jeito
Daqui eu ainda vejo aquela família
Os rebentos crescendo em meio a sirenes e buzinas
Fugindo das autoridades e apanhando da polícia
Quando não conseguem esmola
Furtam para manter o estômago em dia
Ou a mente vazia dentro dum saco de cola
E assim vão vivendo a vida
Quando morrerem, serão substituídos
E ninguém notará ou saberá dizer a diferença

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