quarta-feira, 24 de julho de 2013

Carência

Sou um cara carente
Necessito de gente
Mas digo que não
E me chamam turrão
Só que é tudo mentira
Se encontro companhia
Sou tão-tão grudento
Que nem eu me aguento

E me dizem:
Deixa disso, homem!
Carência é coisa de criança
Teu afetivo é muito infantil
Não tiveste infância?
Onde é que já se viu?
Um varão sentir-se carente
Ainda fosse mulher
Vá lá, entende-se
Agora, um homem padecer
De um coração doente?
Adultos não sentem carência
No máximo, solidão
Muito menos um homem, sinceramente
Ora, tenha decência
Você com sua carência que se aguente!

Não há tempo para comoção
Nem espaço para compaixão
Ternura, piedade ou meiguice
Tudo isto é frescura, é tolice
Não cabe entre gente grande
É preciso ser forte, petulante
Se você uma lágrima derruba
Esmagam-te como a uma uva

Não te esqueças, garoto, o mundo é duro
Sabes quando um adulto torna-se adulto?
Quando deixa de sentir-se carente
Para se crer forte e autossuficiente

E eu respondo:
Não, muito obrigado
Adultos são tristes e solitários
Prefiro ter com as crianças
Que, se não lhe dão atenção
Inventam amigos imaginários
Fantasiam mundos de sonhos
Deixam-se levar pela imaginação
E da vida fazem um conto
Coisas que todo adulto já fez
– como eu era bobo! –
Mas que não fazem mais
E quando olham para trás
É para zombar com ironia
Esquecendo-se que um dia
Foram crianças também
Talvez se deixassem de desdém
E guardassem um pouco
Da alegria de ser criança
Ninguém precisaria morrer
Na arrelia, por falta de esperança

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