segunda-feira, 30 de junho de 2014

O homem do saco

O pequeno Luca era ainda um neófito neste mundo. Era esperto, mas seus cinco anos de idade não lhe conferiam grande experiência para que pudesse discernir e compreender fatos básicos da vida e dos seres humanos. Por exemplo: porque aquele senhor passa seus dias sentado naquela calçada, uma das mãos estendidas e voltadas para cima, olhar suplicante, balbuciando coisas indiferentes para os passantes indiferentes? Porque, quando cai a noite, ele não volta para casa? Porque deita-se debaixo daquela marquise e, sobre papelão imundo, dorme, envolto em trapos? Não terá mãe? Será que ela ralhou com ele, como a minha ralha comigo, fazendo-o fugir de casa?

Entre as frinchas do portão do condomínio, Luca podia vê-lo, a algumas dezenas de metros de sua casa. Às vezes, perdia horas a observá-lo. Sabia que ele dormia ali porque, numa madrugada, saíra escondido do apartamento e descera até o portão para ter certeza. Quando saia para ir à escolinha, o carro passava rente ao homem mendicante, e Luca colava o rosto à janela para analisa-lo melhor. Isso era o mais perto que podia chegar. Inquiriu o pai sobre quem era aquele homem e o que ele fazia ali. A resposta que recebeu não aliviou-lhe em nada tantas perguntas cruéis, tantos mistérios:

– É só um vagabundo, filho. Não tem trabalho e, por isso, não tem onde morar.

E por que não tem trabalho? E o que o trabalho tem a ver com ter onde morar? E, afinal de contas, o que seria um vagabundo? Não somente não obteve resposta inteligível, como as perguntas se multiplicavam. Recorreu à mãe.

– Ele está nessa condição porque não estudou, querido. É por isso que você tem que estudar, pra ser alguém na vida.

Deu nelas por elas. Tudo isso não fazia o menor sentido para o pequeno Luca.

Um dia ouviu uma história estranha e assustadora sobre um tal “homem do saco” que sequestrava as criancinhas que não se comportavam. Lembrou-se do vagabundo-sem-trabalho-e-sem-estudo, como definira-o seus pais, que vira e mexe trazia e levava um saco grande e preto nas costas. Perguntou à tia como se parecia o homem do saco, e a reposta deixou-o atônito. A semelhança era tamanha que perguntou-se se não poderia ser ele, então, esse homem malvado a carregar criancinhas desobedientes no saco preto.

Certa noite o condomínio acordou em polvorosa no meio da madrugada. Choro, gritaria e um corre-corre de um lado pro outro. Luca sumira. Seu pai dava de dedo na cara do porteiro, acusando-o de negligência com suas obrigações, enquanto a mão, catatônica, era acudida por uma vizinha no hall do prédio. Uma voz lúcida atravessou a agitação com a razoável hipótese de que aquilo não passava de uma travessura de criança. Montou-se assim uma força tarefa de busca.

Reviraram o prédio de cima a baixo e nada encontraram. Ganharam a rua, e mal deram uns passos avistaram o menino ao lado do homem esfarrapado e sujo. Correram em direção a ele, com ódio nas ventas e prontos para linchá-lo, mas estacaram a alguns passos. Luca dormia tranquilamente e o homem nem parecia dar-se conta da sua presença. Em volta deles, Luca desenhara com um giz-de-cera colorido os contornos de uma casa, com direito até a chaminé e um sol radiante e sorridente.

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