sábado, 8 de junho de 2013

Memórias do trapiche

Ao trapiche minha história está ligada
Velho trapiche

Que com as águas do mar bailava
Ah, se você o visse!

Como era belo o por do sol e a alvorada
Sentado no trapiche

Via-se o horizonte de água azul-esverdeada
E quando a noite caísse

Era a luz da lua que o véu rebrilhava
Dos tempos de meninice
Restou a imagem que a memória guarda
Que muita viva persiste

* * *

Cresci junto ao trapiche e às águas
Jungidos desde tempos ancestrais
Era o trampolim da molecada
Dedicada a aprimorar saltos mortais
Brincadeira que lavava a alma
Banhada no mar de águas vestais
Vivíamos mais no trapiche que em casa
Mergulhados em meio aos corais

Dele, ainda nas escuras madrugadas
Meu pai saia com a turma para pescar
Quando ele ao meio dia regressava
Encontrava-o de sorriso farto, sem pesar
E depois de um longo abraço apertado
Ajudava-os com o trabalho de descarregar
Era um mundaréu de peixe pra todo lado
E íamos todos satisfeitos para casa almoçar

* * *
Quantas gurias sem frescura não amei,
Misto de sexo e brincadeira
Encima daquele trapiche?

Ali, onde rangidos de madeira
Misturavam-se a gemidos de desejo
Sob a luz alva da lua cheia
A gente trocava carícias e beijos
E o trapiche virava a alcoviteira
Desses amores feitos sem jeito

[ainda por terminar]

Solidão (CLXII)

Esta solidão maçante
É perene e intrínseca

Angustiante imensidão
Que encomprida a vida

Rato e queijo parmesão
E como rói a bandida!

Mergulhado na rotina
Empedrou-se o coração

Que vez ou outra, a união
De dois amantes liquidifica

Condição desenxabida
Sina de cavalo azarão

Ora, no curso desta vida
Muitas águas rolarão

Tantos amores e desditas
São as pedras que virão

Em meio à perna que caminha
Só por caminhar, sem razão

Mas isso é coisa minha
À qual não cabe generalização

Vivo a vida como despedida
E assim me encontrarão

terça-feira, 4 de junho de 2013

A boca

A boca é palavra
Cantada ou dita
Ela pergunta ou se cala
Com outras palestra
Ou sozinha recita
Declama poesias
Exprime ideias
Ou contra elas grita

A boca é da palavra a lida
Que o pensamento velava
Pode ser popular ou erudita
Coloquial ou prolixa
O importante é que quando fala
Ela ao mundo comunica
Uma ideia ou um ponto de vista

À imaginação empresta asas
Que aos quatro cantos o vento leva
Torna pública e sabida

Da expressão a boca é o azo
Que contra a vida protesta
Ou com ela se solidariza

* * *

A boca é objeto de desejo
É o alvo do murro
Ou o ensejo do beijo
Concedido ou roubado
Num momento de descuido

Torcida num êxtase enlevado
A boca é a imagem do gozo
Entre gemidos longos e moucos
Ela faz promessas abafadas
Emite sussurros roucos
Com os lábios o sexo agarra
Perde por pouco o dom da fala
Ou então, em impulsos loucos
Grunhi palavras despudoradas

* * *

Boca, abre-te e fala
Fala porque boca que é boca
Não se cala
Abre-te, vistosa e larga,
Amistosa ou braba
Num ricto de escárnio
Zombaria e sátira
Ou num ranger de dentes
Lançando mordentes palavras
Mas não te cala
Abre-te, boca
Abre-te e fala

Porque boca quando é boca
Jamais permanece fechada
Fala e dá a conhecer ao mundo
Ideias novas e impensadas
Fala porque quem tem boca
Faz a História que um dia,
Por outras bocas, será contada

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Ciência

Eu a tudo racionalizo,
Logicizo, enquadro e classifico,
Torno cálculo e generalizo.
Sistematizo toda a vida,
Em hipóteses e princípios,
Fórmulas e polígonos,
Uso regras de metodologia,
Junto a dados estatísticos,
E transformo tudo,
Em procedimentos científicos.

As pessoas eu vejo,
Como compostos químicos,
Quânticos, em movimento.
Seres orgânicos e físicos,
Cujo comportamento,
Reproduz, como um autômato,
Entediante padrão mecânico.

Fórmula numérica, razão e proporção;
Conclusão genérica, indução e dedução;
Figura geométrica, silogismo e ilação;
Dúvida metódica, e instrumentalização;
Raciocínio crítico, leis e abstração:
Eis as minhas formas de compreensão.

A mim, todo pensamento,
Por mais inocente e lúdico,
Vira estrutura matemática.
Mera forma, sem conteúdo,
Simples recurso de retórica,
Tal como um teorema sisudo.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Se eu morasse sozinho

Se eu morasse sozinho,
Pouco ficaria em casa.
Servir-me-ia ela apenas de abrigo,
De refúgio da rotina que esfalfa.

Preferiria a rua ao doméstico asilo,
Com sua barafunda agitada,
Onde todos se encontram,
Mas ninguém se abraça;

Preferiria a via pública,
Seus bares, metrôs e praças,
Seus túneis, vielas e calçadas,
À solidão da minha morada,
Pejada pelo silêncio pudico,
Que o quarto propaga,
E que reboa da cozinha à sala.

Esse silêncio lôbrego,
Ressumando a velhice,
Definitivamente não me agrada.

Melhor seria ser um pândego
Amante da lua e dos prostíbulos,
Das camas alheias e da casa de amigos,
Da macarronada da avó aos domingos;
A convalescer só na cama,
Sem ter para quem fazer manha;
A tomar café pela manhã,
Sem debater assuntos vários,
Antes de sair à luta com afã;
A chegar em casa após o trabalho,
E encontrar a louça suja,
Rançosa e imunda, acumulada
Ao longo da comprida semana;
E encontrar os móveis em desalinho,
Como os pensamentos de um doidivana.

Por que deixar tudo bonitinho?
Por que me preocuparia, afinal,
Se eu morasse sozinho?

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Solidão (II)

Empresto da ciência astronômica,
A definição de solidão.
Grandes massas cósmicas,
Vagando no vácuo da imensidão.
Como a lua na abóboda noturna,
A linda virgem solitária.
Como uma pérola rara,
Inconspurcável, celibatária,
Suspirante e melancólica,
Alentando amores imaginários.
Noite após noite, apostólica,
Ela solitária peregrina
Por caminhos invariáveis,
Percorridos dia após dia,
Dos quais se arrepende,
Não enquanto os trilha,
Mas quando chega lá na frente,
E se vê afinal sozinha.
A astronomia chama de órbita,
Essa sina pré-estabelecida,
Desde tempos imemoriais.
Nós chamamos de condição solitária,
O mal que toda rotina implica.
Aferra-nos, como um grilhão,
Esse apego às coisas tais como são.
Em torno de sua única companhia,
A lua gira, e gira, e gira,
Sem saber por que razão,
Não lhe rouba um beijo de gratidão,
E foge, a explorar o universo,
Em toda a sua extensão.

Solidão

Sempre só
Somente eu
Melodia em dó
Sorte que deus me deu

Sem xodó
Eterno sandeu
Sonhos viram pó
Percalços do caminho meu

Caminho solitário
Errática direção
Sentido contrário
Quando é tudo solidão

Meu corolário
Pungido coração
Resulta necessário
Amar sem retribuição

Destino lôbrego
Ando sozinho
A vida é monólogo
Essa sina eu levo comigo

Lógica sem razão
Triste desdita
Então amo a solidão
Desde o berço minha amiga

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Outono (ou o tempo da preguiça)

Ó! Sonolentas tardes de outono
Tirano da preguiça e da desídia
Ditador dos dias mortos e longos
Consagro a ti toda minha acídia

Mas, espere...

Não é assim que quero fazer de ti,
Outono infindo, poesia.

Não, não me agrada o classicismo,
Poético, de pura bizarria.

Quero falar de ti de peito aberto,
Sem cerimônia ou teoria.

Falo de ti com o coração sincero,
Carregado de monotonia.

(...)

Há alguma coisa de misterioso,
Na atmosfera quieta do outono.
Algo da natureza dum monge,
Nalgum lugar ermo e recôndito,
Meditando só sobre o segredo,
Do universo infinito e incógnito.
Desta vida, é o interno degredo,
Do qual eu, satisfeito, sou acólito.

O porquê dessa característica,
Tão bela, é-me desconhecido.
Deixe que a explique a física,
Do ângulo de refração óptico,
Ao raio em meio a partículas.
Aos intuitivos olhos da poesia,
Explicações científicas soam,
Ora inúteis, ora ocas e vazias.

O tempo outonal passa devagar,
E os dias caminham impassíveis.
Parecem nos levar ao não lugar.
Convidam uma mente irascível,
A substituir emoção pelo pensar.
O silêncio cingi, incomunicável,
As almas em seu próprio penar,
O âmago torna-se morada afável.

É, contudo, introjeção maviosa,
Que deleita o espírito sensível,
À vida escrita em verso e prosa.
É como mãe, terna e carinhosa,
Que, amável, fagueira e caridosa,
Aninha, contra a mama afetuosa,
Extenuados pelo estio intratável,
Os filhos que à casa sua tornam.