quarta-feira, 9 de julho de 2014

Ser meio surdo

De início, deixemos as coisas bem claras: ser meio surdo não é igual a ser inteiramente surdo, de modo que eu agradeço pela minha meia surdez. Ser meio surdo é mais ou menos como, guardada as devidas diferenças, ser míope (o que eu também sou, diga-se de passagem): tem consequências ruins, mas que também não são tão ruins assim. É preciso saber conviver com a meia surdez.

Escutar uma piada por exemplo é um problema. Enquanto todos estão rindo às gargalhadas, você faz aquela cara de quem chegou no meio da conversa, embora esteja desde o primeiro “então, tinha um...”, porque não escutou justamente o trecho chave para a compreensão da piada.

Falar com uma atendente de telemarketing de call center é outra grande dificuldade. Você nunca entende exatamente o nome da pessoa, se é Josileine ou Josicreide, Cristiane ou Gislaine, Vanderson ou Vanildo, obrigando você a escolher um nome à revelia e se despedir do Joilson chamando-o de Jair. 

Dar aula pode ser uma das piores experiências para um meio surdo. Se fosse o caso de que todos os alunos perguntassem de uma vez, você poderia até ficar feliz. Mas na maioria das vezes o problema da meia surdez em sala é que é impossível ouvir a pergunta de uma ou duas meninas estudiosas enquanto o resto dos trinta e oito demônios fazem a terceira guerra mundial na sala.

Mas nada é mais embaraçoso do que tentar flertar numa casa noturna badalada ao som de um DJ ou banda de rock. Você não vai entender nada e vai ficar com aquela cara de bobo variando os meneios de cabeça entre sim e não junto com um indecifrável “ahan” de tempos em tempos. Essa é a maior causa de insegurança entre os meio surdos, situação que exige deles habilidades de leitura labial, filologia e um pouco de vidência.

Por isso, quando você, que tem a audição perfeita, se deparar com um meio surdo na balada e achar que vale a pena dar uns amassos, faça um favor para vocês dois, corta a papo e vai direto ao beijo.

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