domingo, 7 de abril de 2013

Monólogo

Certa feita,
Numa diatribe em que me meti:

Tinha a cabeça redonda mais
Quadrada que já conheci
As ideias e os ideais,
Que são fluidas porém tenazes,
Como uma onda,
Nela não conseguiam invadir.

Batiam-se, com a fúria de sete mares,
Sem que aquela cabeça sabichona
Concordasse se abrir.

Permanecia fechada,
Assim como a boca emoldurada,
Junto ao empinado nariz,
Naquela deslavada
Cabeça quadrada

Um pensamento me leva a sorrir:
“Ah! se eu pudesse abri-la a machadas!”
E segue o monólogo sem fim

Um recorte da História visto através da minha imaginação

Verga a espinha,
Eriça a crina,
Refunga pela narina,
Empina toda a cavalaria.

Encima da colina,
A espada desembainha,
O cavalo relincha,
A tropa grita.

A corneta produzia,
Toques sem melodia.
É a guerra que se avizinha.

O primeiro tiro assovia.
Uma desapercebida cotovia,
Que com nada daquilo tinha,
É feita a primeira vítima.

O bacamarte cuspia,
O canhão explodia,
E a verdejante pradaria
Em chamas se consumia

Funde-se em agonia,
A massa ensandecida.
Estrepitosa, combativa,
De glória se cobria.

O velho mundo se batia
E a História se escrevia
Usando sangue como tinta

sexta-feira, 5 de abril de 2013

O futuro do passado

Para onde nos leva o presente?
Como deu aqui o passado?
Onde foi parar
O sonho da minha gente?
Tínhamos o mundo
Inteiramente conquistado
Em nosso ventre
Uma visão do futuro?
Pessimista
O mundo será ainda mais capitalista
Cada vez mais abarrotado
Como um barco
A emborcar no negro mar do espaço
Lá como cá
Reina a miséria
Fria como a lâmina
Calculista como o lucro
Ninguém se amará
Vínculos?
Só com juros
Não haverá verde, nem azul
Apenas o cinza das chaminés
Essas modernas torres de babel
Definitivas como a morte
Enlutando o lúgubre anil do céu
Baforando fuligem
Fazendo eterno o inverno
A cobrir a paisagem cor-de-ferrugem
A uniformização, a padronização
Causam vertigem
É um mecanismo em funcionamento
Em seu maçante ramerrão
Ressonando lamentos
Não é finalidade
É mero instrumento
Sem vida, sem beleza
Feito de aço e cimento
Moendo sonhos, ilusões
E pensamentos
“Eu vejo o futuro repetir o passado”
Já não vivemos esse tempo?
Havia tanta expectativa
Entre os de baixo
Em cujas gargantas os de cima
Pisavam
Dessas gargantas
Saía um grito de altiva euforia
O grito de um fulgurante alvorecer
Quando este se avizinha
Mas não
Eis que o grito esmaeceu
E a euforia cedeu lugar
Ao tédio
E então, novamente
Frustração e descrença vieram
A substituir o resplandecente
Novo dia
Vejo uma massa excitada e ansiosa
Pronta para incendiar
A própria cama
Oceano de cabeças planas
Chatas e insanas
A alegria e a aventura de participar
De um grande organismo
Coletivo
Estará vivo esse organismo?
Agora, pensando bem
Alarmado eu me pergunto
De onde vem tamanho pessimismo?
Não será o futuro sempre
Uma singular inovação?
Não estaria eu
Com o ceticismo em mente
A incentivar a reação?
Não deveria eu
Com fé e de bom grado
Rejubilar-me
E abrir este cansado coração
À perspectiva da revolução?
Fazer do inverno
Primavera
Quimera
Em fato líquido e certo
Não é questão de boa gramática
Nem exercício de futurologia
É questão de ideologia
Cuja resposta dá-se na prática

terça-feira, 2 de abril de 2013

Certa idade

Voltar bem longe no tempo
Ou a algum distante lugar
Aqui existo e não me tenho
Sou como um rio sem mar

Algo caiu no esquecimento
Talvez havia alguém a amar
Bem quem não me lembro
Está ficando difícil recordar

O tempo passa e não volta
A vida é curta como aurora
E vivemos sempre o agora
Não sei mais o que penso
Da vida nunca me queixo
A vida é rio e eu me deixo

Levar...

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Extremos

Reduzir-se
             Para vicejar
Embotar-se
             Para clarear
Suprimir-se
             Para firmar
Acabar-se
             Para existir
Toldar-se
             Para estar
Minimizar-se
             Para crescer
Obnubilar-se
             Para lembrar
Evanescer-se
             Para ser
Apagar-se
             Para iluminar
Perder-se
             Para encontrar

quarta-feira, 27 de março de 2013

Poesia da transcendência

Sede de tudo
Fome do mundo

Necessário atingir o fundo
Da alma
Esse abismo abrupto

Necessário derribar o muro
Do céu
Esse azul profundo

De pulo em pulo
Alcançaremos o Absoluto

sexta-feira, 8 de março de 2013

Nós, as mulheres

Somos metade de toda a humanidade
O que não é pouco nem muito
E desde que o mundo é mundo
Vivemos sob o jugo da masculinidade

Já imaginou, viver toda a eternidade
Inferiorizada por um ser bruto
Violento, lascivo e sem escrúpulo?

No corpo, trago a história da desigualdade
Marcada a ferro e fogo na pele
Porque, se já fui escrava e gado
Hoje sou a predileta mercadoria dele

Objeto que se compra e vende
Objeto de prazer e de maus tratos
Desse passado trágico
As marcas eu carrego no ventre

Já fui a culpa e o pecado
A causa da queda e da danação
Já fui bicho fêmea, a esposa do bicho macho
Assim ainda me veem, naturalmente

Pode imaginar agora tal condição?
Como se fosse determinada geneticamente
De geração em geração, todas somos descendentes
Da primeira de nós a ser escravizada
Elos numa histórica cadeia de iniquidade

Humilhada, martirizada, injustiçada
Onde está a tão propalada igualdade?
Esse projeto da modernidade atraiçoada
Para melhor esconder essa simples verdade

Dizem hoje que podemos trabalhar
Amar, sonhar e viver com dignidade
Mas que trabalho é esse que eles não fazem?
Que amor é esse confundido com maternidade?

E com que pudor tolhem-nos a liberdade!
Queremos viver a nossa plena identidade!

Vocês tiveram toda a História para nos entender
Para decifrar essa esfinge que é as mulheres
Mas foram insuficientes todos esses milênios
Não nos culpem, porque tentamos fazê-los ver
Agora seu machismo nós devoraremos

domingo, 3 de março de 2013

Ode à melancolia (ou como a tristeza pode ser bela)

Profundo sentimento de comunhão
Com o mundo, esse alimento da alma
Tu não precisas de motivo ou razão
Para escrever poesia
Basta libertar, na forma da palavra
Escrita ou falada, essa beleza e alegria
Que, no fundo do leito, habita teu coração
Escolha uma música bonita, dessas que contagia
E dê vazão à sua mais profunda paixão
Sinta saudade e nostalgia
Elementos importantes à lírica de toda poesia
Um pouco de angústia e tristeza
Caem bem também
Além de preencherem o vazio da rima
Não se preocupe, porque sinto-me bem
Com essa melancolia que me aconchega
De mansinho, e que, com seu carinho
Me aninha em seu peito, em seu ninho
O amor que sinto é melancólico
Mas é também o ápice da felicidade
Que a mim foi dado experimentar em vida
Amar assim é a minha especificidade
A música já se repetiu várias vezes
É hora de encerrar essa poesia