quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Uma visita qualquer


Palmas. Aproximo-me do portão. Uma mulher de semblante surrado, portando um bebê à tira colo, pede por uns trocados para comprar leite. Respondo-lhe que dinheiro não tenho, mas que poderia lhe dar um litro de leite. Ela argumenta que precisa de dinheiro não para comprar leite natural, mas sim leite em pó – que, suponho eu, rende mais.

Fico em silêncio por alguns instantes. Olho aqueles dois seres abandonados à própria sorte e sinto um forte pesar. A mulher me olha em resposta como se estivesse muda, procurando algo a dizer, “uma ajuda por favor, qualquer uma”, talvez. A criança de colo, nascida no seio da miséria, já parece saber dos meios consuetudinários utilizados para induzir condolência naqueles além propriedade e me olha piedosamente.

“Espere, por favor”.

Entro em casa, caço algumas moedas espalhadas que não somam nem um real, pego um litro de leite e entrego à moça. Ela agradece com um “obrigado” esmaecido, quase inaudível, de quem não tem forças ou de quem não tem mais fé para continuar tamanha vida sofrida. Logo depois se afasta.

Fico inerte, junto ao portão, observando seus passos curtos – de quem não tem para onde ir mesmo – pela calçada em direção à residência subseqüente. Passos cabisbaixos. As pessoas que passam ao lado também estão cabisbaixas. Por medo ou vergonha, não sei ao certo. Ou ainda por desilusão talvez. O certo é que, ao chegar no portão contíguo ao meu, a mulher, na tentativa de livrar uma das mãos do peso da menina, coloca-a no chão, de pé, apoiada nas grades do portão. A criança num gesto inesperado – pelo menos para mim – largou a grade e pôs-se a bater palma.

Fiquei estarrecido. De fato, o meio perpetua e imprime, através da vivência, maneiras de pensar e de agir na consciência de uma pessoa. Uma criança de colo que mal consegue para em pé, consegue largar o objeto no qual se apóia para, instintivamente, acompanhar as ações da mãe. Hoje bater palmas, amanhã – quando aprender a falar – pedir comida. Como um animal que ensina seu filhote a sobreviver, a menina toma as ações da mãe como aprendizado, percebendo que aquele é o meio pelo qual, primeiro sua mãe e depois ela própria, sobreviverão. Essa criança jamais poderia entender o amplo significado social que reside em seu gesto. A mãe sim, e talvez por isso, ela impede que a menina continue a bater palmas.

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