segunda-feira, 4 de julho de 2011

A paixão de um menino

Lembro-me de um dia em particular
A cúpula azul-clara cintilava no céu,
Tépidos raios solares vinham acariciar
Gentilmente seu corpo dourado de mel


Ela estava deitada, exposta ao sol
A água do rio rorejava pelas coxas,
Artisticamente trabalhadas, sedosas
O rio agitava-se, em êxtase, por ela


Seus pequenos seios, misteriosos,
Rijos; escondido, eu esperava vê-los
Rezava pra que escapulissem, marotos
A perna dobrada, a virilha e seus pêlos


Eu fruía deliciosamente aquela cena
Paciente, esperava, como um caçador,
Por qualquer movimento de seu corpo
Cada curva, por mais recôndita, era perscrutada


Ela se levantou, fez um movimento felino,
Saltou do estaleiro e penetrou nas águas
Era uma sereia, que dançava com o rio
Meus olhos maravilhados, nem piscaram


Nunca mais tornei a vê-la novamente
Acho que desapareceu nas profundezas
Como um boto, lançara seu feitiço
E sumira, deixando só minha imaginação


Eu era criança, mas comecei a aprender
Sobre a paixão, sobre o poder feminino
Esse ser tão cativante quanto misterioso
Ela era menina, mulher e bicho...

sexta-feira, 14 de maio de 2010

A solidão e a rua


Uma pessoa caminha solitária pela rua. Presumi-se que a noite esteja iluminada. Ela não saberia dizer em que fase a lua está.

Com passos mecânicos, caminha em direção ao ponto de ônibus. Por um momento detêm-se defronte a uma vitrine onde, por poucos instantes, sonha com um conjunto de blusa e saia. “Apenas 59,90”, observa. Segue em frente.

Uma viatura policial passa apressada e quebra o silêncio. A prostituta parada à esquina assusta-se. Logo atrás alguns jovens mexem com ela.

Seus pensamentos caminham ao lado. Pari passu. Não consegue livrar-se deles. Ela acelera o passo, mas eles lhe acompanham paralelamente. É inútil.

O relógio eletrônico prostrado no meio da rotatória aponta uma e meia da manhã. É hora de partir. Sempre é hora de partir.

Automaticamente ela prognostica o dia de amanhã em sua mente. Será basicamente igual ao de hoje. Não muda nada. Nunca muda nada.

Num relampejar a mãe vem-lhe à cabeça. Como estará? Ela andava se queixando de dores no peito. Queria vê-la. Queria deitar a cabeça em seu colo protetor.

Seus pensamentos são interrompidos por uma dolorosa visão: uma família inteira deitada ao relento, dividindo trapos e fazendo-os de cobertor; tentavam se unir para debelar o frio da noite.

Ela para por alguns instantes. Seus pensamentos enfim somem à esquina.

Anda em direção à família. Todos a olham perplexos. Nunca ninguém havia se dirigido a eles. Ela não diz nada. Observa-os detidamente, como quem aprecia a tristeza da solidão. Sem dizer nada, a moça senta ao lado da mãe, puxa parte do cobertor sobre si, aninha seu corpo contra o dela, a cabeça põe aconchegada contra o peito da mulher, e dorme.

Amanhã tudo será diferente.

domingo, 27 de dezembro de 2009

Dias mortos

Naquele dia ele acordou meio confuso, incapaz de distinguir a data que nascia pela manhã. Foi direto a cozinha e tomou um copo d’água gelado. Olhou ao seu redor e, sem grande surpresa, constatou que este era um dia como qualquer outro. Os pássaros cantarolavam cantigas urbanas esgarçadas, o sol tocava morno o solo ainda úmido pela madrugada, seus cachorros atracavam-se como de costume.


Ainda sonolento, encheu a leiteira com água e a pôs sobre o fogo para fazer café. “Mas que diabos”, pensava, “alguma coisa está errada!”. Mas não havia absolutamente nada de errado, tudo estava impecavelmente organizado e limpo. “Exatamente!”, deduziu, “eis o quê está errado”. Pois estaria certo em seu pensamento? Talvez sim posto que ele não fosse um homem lá muito organizado e limpo. Na verdade, sua casa vivia eternamente numa arrematada imundice. De fato, a casa, o quintal, os cachorros, até as nuvens estavam demasiadamente limpas. “Ora, que coisa mais estranha...”.


A água já efervescia na panela. Coou o café, bem forte como de costume, pegou uma xícara bem grande (também como de costume) e saiu para o quintal. Aquela sensação de estranheza acompanhava-o. Exceto a lerdeza dos movimentos, como em câmera lenta, tudo estava absolutamente perfeito. A luz, a harmonia do som ambiente. Por um momento passou-lhe pela cabeça que estivesse morto.


Resolveu esquecer isso e pôs-se a trabalhar. Pôs feijão na panela enquanto dava banho nos cachorros; varreu as folhas secas que caíam do frondoso flamboyant que majestosamente irrompia do solo; almoçou; lavou roupa; tomou banho; fez de um tudo. Mas aquela sensação insistia em lhe perseguir os pensamentos.


“O quê será que está faltando?” E, num assomo, deu-se conta de que faltavam pessoas, vozes, olhares. Não escutava absolutamente nada afora o som ambiente do vento e dos pássaros. As crianças não corriam espevitadas pela rua, os carros não passavam apressados com seus motores, o telefone histérico não tocava.


“Por que isso?”, indagava-se confuso o homem. Algo muito fora do comum acontecera. Ele não conseguia lembrar-se de nada que concerne aos homens em sociedade. Não lembrava de trabalho algum que já tivera feito ou que deveria fazer. Tampouco lembrava de seus parentes e amigos, nem nomes nem rostos. Não lembrava do amor.


“A quanto tempo estivera assim, completamente inerte?”. Não sabia dizer. Tudo parecia infinito, eterno, perene e imutável. “Havia parado no tempo?”, “estava numa outra dimensão?”.


Quanto mais se perguntava mais não encontrava respostas. Desistiu de procurar saber. Continuou suas tarefas acriticamente. Extenuado ao fim do dia, com aquela mesma sensação a lhe fustigar a mente, esticou as pernas por sobre a cama. Aquele mesmo som ambiente só foi substituído por uma roupagem noturna. Ainda sem vozes, sem rostos dos quais pudesse se lembrar. Foi deitar-se inquieto com os cachorros aos seus pés. Enfim, num suspiro de desalento, dormiu triste. No outro dia o relógio voltaria a lhe despertar no mesmo horário, sem rostos, sem vozes, sem sorrisos.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Histórias de um futuro próximo

Lembro-me bem quando, ainda criança, ouvia e via pela televisão apelos para que puséssemos fim ao aquecimento global. Faziam conjecturas sombrias sobre um futuro particularmente sem saídas, beco no qual a humanidade estaria condenada. Mas eram somente conjecturas, diziam, isto é, baseados no modo que produzimos e vivemos, ou mudamos radicalmente nossa relação com o mundo, ou perecer-nos-emos. Parece que falhamos fragorosamente.


Suas antevisões de certa maneira se concretizaram. Estamos hoje reduzidos a cacos do que fomos um dia, vivendo dos restos materiais de uma sociedade outrora vencedora. Espalhados, esgueirando como ratos, os homens perderam sua posição privilegiada no planeta. Como afinal essa catástrofe foi acontecer?


Contudo, aquelas vaticinações terríveis do passado viam na causa um mero efeito, e culparam sujeitos inocentes pelo apocalipse. Cobravam atitudes corriqueiras e triviais de homens igualmente banais, o que, segundo diziam, seria suficiente para evitar o pior. “Faça sua parte”, era a frase de ordem mais utilizada. Mas o que poderiam fazer aqueles homens, pobres coitados que mal tinham o mínimo de condições materiais para se sustentarem decentemente, diante da iminência do problema? Absolutamente nada. Metade dos seres humanos daquela época vivia com menos de dois dólares por dia. Vocês crianças certamente não sabem o quão pouco isso significava, porém, acreditem em mim, era pouco, bem pouco. O que deveriam fazer, parar de respirar e morrer?


Enquanto isso, homens privilegiados e reduzidos numericamente, cujos bens utilizavam para explorar aqueles, gastavam os recursos do mundo insaciavelmente. Seus carros, enormes e elegantes, com motores turbo lançavam ao ar mais CO2 por dia do que qualquer operário produziria em toda sua vida. Suas fábricas, ligadas vinte e quatro horas, fabricavam milhões e milhões de mercadorias descartáveis a cada minuto, consumindo matéria natural, cada vez mais e mais, mercadorias que não satisfaziam aos interesses humanos, mas sim à necessidade insidiosa de um ser chamado de capital, o qual acumulava e acumulava, até implodir, como vocês bem sabem. Queimaram as florestas tropicais, caçaram as baleias até a extinção, poluíram rios e mares com lixo não-biodegradável, plantaram bilhões de hectares com culturas nocivas ao equilíbrio ambiental, fizeram isso e aquilo, “pintaram e bordaram”, como dizia minha finada avó. Vocês vêem o resultado. Podem apreciar o que lhes deixaram de herança?


De qualquer maneira crianças, a história de hoje teve apenas uma intenção: fazer justiça aos seus pais, trabalhadores insuspeitos que foram devorados por uma lógica estranha ao ser humano, uma lógica que criaram, embora jamais imaginassem a onde levariam seus descaminhos.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

As rosas brancas e você

As rosas brancas,
Assim como você,
Cantam e encantam
Minha manhã e o meu entardecer


Há de se ter cuidado
Senão nem me vejo envelhecer
Estando sempre do teu lado
Passaria a vida toda a te ver


As rosas brancas,
Assim como você,
Têm pontudas lanças
E ferem um coração à mercê


Há de se ter cuidado
Com seu temperamento
Variam do alto a baixo
Mudam sem consentimento.


As rosas brancas,
Assim como você,
Dão-me esperanças
Dão-me vontade de viver


Não tenho muito cuidado,
Mas, afinal, fazer o quê,
Se com as rosas sinto-me amado?
Sim, as rosas brancas é você.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Nossa pequena história

E foi assim a história: tão singela quanto verdadeira. Quem viu, assim como as duas almas que a escreveram com linhas tímidas, jamais poderia prever os rumos que tudo tomaria. Rumos desconhecidos. Somente engolindo muita coragem pela manhã para segui-los bravamente dia afora. Ainda assim, não houve um momento sequer de hesitação, no qual um dos dois pudesse desistir e voltar atrás.


Olharam para eles de modo desconfiado, incrédulos. Poucos compartilharam ou poderiam compartilhar da crença em um amor aparentemente tolo e inocente. As pessoas têm medo de se arriscarem e não querem que outros façam o mesmo. Acusaram-lhes de heresia e pretenderam jogá-los na fogueira da incompreensão. Resistiram, pois sabiam que um grande amor não nasce todo dia. E no final, ambas as vidas haviam sido transformadas completamente e nada mais seria como antes. Veio a primavera e coloriu de múltiplas cores e tons o cinza invernal que secava os seus corações.


Parece pouco coisa, um amor, diante da imensidão do mundo? Talvez sim. O fato é que, para quem ama, o mundo fica pequeno, tão pequeno que poderia ser pego por uma das mãos e dado de presente à outra que, com ela, compartilha os mesmos sonhos.

sábado, 6 de junho de 2009

Sonho e utopia

O tempo passa à passos largos
No calço, levo botas batidas
De fato, o que trago comigo?
Muitos calos nessas tristes idas


Será mera fantasia?
Como se sonhasse,
Em algum outro lugar,
Nalguma utopia.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Poesia aos amantes

Este coração
é só desesperança e desilusão.
Sofre calado
porque ninguém lhe concede perdão
Se você viesse
e resgatasse-o da solidão,
Então, por ti,
ele bateria em infinda gratidão.

Por medo de represália,
este coração enterra-se no peito
Auto-sepultado,
sem que haja um dia ter amado!
É tão-somente poesia,
assim como Heloísa e Abelardo
seus beijos, meras utopias
que transcendem um sonho irrealizado.

Haveria saída para um tolo apaixonado,
cujo coração entrega-lhe de bom grado,
senão seu incondicional amor ao meu lado?