sexta-feira, 28 de março de 2014

Ode aos enjeitados

Você fala ninguém ouve
Você existe e ninguém vê
Você ri e ninguém compartilha
Se você parte, ninguém liga
Se você fica, ninguém festeja
Você pede, mas ninguém dá
Você chora, ninguém se importa

Mas se você se cala, fazem troça
Espicaçam e zombam
Não deixam que sejas o que tu és
Pior pra eles, que têm carisma
Vaidade, orgulho, admiração
Mas a sensibilidade d’um bloco de granito
Não veem a beleza que tens
Jamais saberão das qualidades
(lealdade, compaixão, coragem)
Que se escondem sob tua falta de jeito
Tua timidez
Tua pouca autoestima

Não me interessam os fortes
Os belos, os melhores
Os desejados, os reputados

Os fracos, os feios
Os bobos, os pobres
Os ignorados, os enjeitados
Esses sim me interessam

O mundo

Os machões acham que o mundo
Pertence a quem tem pênis
Os valentões a quem tem bíceps
Os poderosos a quem tem dinheiro
Acham que o mundo tem de ser currado
Agredido ou comprado
Mas o mundo não tem consideração
Pelos seus preconceitos machistas
Pseudo-naturalistas ou capitalistas
Porque o mundo é um bem
Que não pertence a ninguém
Não pode ser comprado
Nem possuído, nem dominado
O mundo é de todos
É de quem souber amá-lo
Assim como meu coração também

Créditos

- Essas poesias são suas?
- Minhas, não.
- Foram escritas por quem, então?
- Por mim.
- Ora, então são suas.
- Não. Um poema não pode ser de ninguém. E eu gosto de pensar que sou apenas um coautor, e nem sempre o mais importante deles.
- Blá!
- Essas poesias carregam um pouquinho de cada pessoa que cruzou o meu caminho; foram escritas a milhares de mãos.

segunda-feira, 24 de março de 2014

Conselho

Traga na imaginação,
Ideias generosas e criativas
No coração,
Amor de sobra pela vida
No movimento,
Graça, equilíbrio e força física
E como princípio
Aceite e busque a mudança
Sê plástico, sê sábio
A todo tempo,
Se recrie, se refaça
Novo e pleno
Vivendo e lutando com garra
Humildade e respeito

Ser solitário

Se solitário és
Solitário serás
Ser solitário
Não é só estar
Basta ser
Para ser tão só

domingo, 23 de março de 2014

Alívio

É o peito opresso
Sôfrego, enfermo
Que volta a respirar

É a festa dos pássaros
Após a chuva a chilrear

É o desabrochar das flores
Depois de inverno rigoroso

É o retorno ao lar
Após exílio longo e doloroso

É a criança que brinca
Extasiada com o brinquedo novo

É a tempestade que finda
Deixando em paz os vivos

É o amor que começa
Inocente, cheio de ilusões e promessas

É a ansiedade e angústia
Que dão lugar ao sentir-se pleno, repleto

É a trégua da dor e da fadiga
O repouso, o descanso, o consolo

Soneto de agradecimento

Meu coração enternecido
É todo ele agradecimento
Porque sorte maior na vida
Não tive nem podia ter tido

Mesmo sem merecimento
Regalaram-me com alegrias
Sejam amigos de momento
Ou os que chamo de família

Quantos sinceros sorrisos!
Quantos colos concedidos!
Quantos bons momentos
Que trago na lembrança

E eu sou só agradecimento
Pelos dedinhos de prosa
Ou de carinho na pele nua

Agradeço quem rio comigo
E quem derramou sua mágoa
No meu ombro de amigo

sexta-feira, 21 de março de 2014

Faroeste amigo

O sorriso é uma arma
Muito perigosa
De celebração em massa
Eu, leviano, inconsequente
Saio disparando-a a torto e direito
Bang! Bang! Bang!
Mais um tiro certeiro
No coração de alguém
Tenho muita munição no pente
Tem gente que cai imediatamente fulminada
Outras resistem
Usam coletes a prova de bala
Mas já que a melhor defesa é o ataque
Eu nem espero saber a intenção
Se é amigo ou inimigo
Vou logo desarmando com um sorriso
Mexeu comigo leva tiro
Neste faroeste de rostos tristes
Consta que eu sou o mais rápido gatilho
Capaz de abrir o mais largo sorriso
Antes que você consiga dizer:
Oi, prazer em conhecê-lo
Por isso, você que sente raiva
Inveja, rancor, desamor
O xerife recomenda cuidado
Porque Kid Smile está a solta
A espreita de uma nova vítima
Tem até um cartaz oferecendo recompensa
Pela minha captura
Mas jamais hão de me pegar vivo!
Dizem que eu sou um perigo
À decência e sobriedade da boa sociedade
Mas eu nada posso fazer
A vida me fez assim, bandido
Fora da lei, cangaceiro
Hei de disparar sorrisos
Roubar gargalhadas
E sequestrar corações
Até quando um gatilho mais ligeiro
Me derrubar em pleno tiroteio

Meus votos

Para os sem voz
Eu tenho ouvidos
Para os fracos e oprimidos
Eu tenho ombros
Aos que não têm abrigo
Eu dou acolhimento
Aos que são sozinhos
Eu faço companhia
Aos pobres de espírito
Eu ofereço compreensão
Aos desassistidos
Eu tenho tempo
E atenção
Aos que têm fome
Eu divido meu pão
Aos que têm sede
De justiça
Eu tenho sangue
E coração
Aos que sofrem
Eu dou conforto
E se eles mesmo assim riem
Eu rio junto
É nos desesperançosos
Que eu tenho fé
Aos que nada mais têm
Senão seus braços
Eu dou os meus
Num abraço
Em corrente
Esses são os meus votos
De punho em riste

Compreensão

O que para alguns é defeito
Pode ser qualidade para outros
O que para alguns é feio
Para outros, é belo
Será que você consegue
Ver através destes olhos
Desta pele, deste rosto
A paixão fulgurante que arde
No fundo do meu peito?
Ser assim, tão diferente
Deveria ser razão para ter medo?
Para se sentir tão só e carente
Você sabe, como no conto do patinho feio
E quem não quer ser aceito?
Ser gente como a gente
Mais do que respeito
Assim como você
Eu busco compreensão

Homenagem a Floripa (Primeira)

Floripa
Com tuas ladeiras e subidas
Teu horizonte recortado por montes
Tuas praias de água verde cristalina
És linda
Ilha que encanta, fascina
De ti dizem, da magia
Do alto dos morros
Tua vista
Tira o fôlego
De quem a visita
E mesmo que em ti há muito viva
Não se perde o espanto
Com tão majestosa beleza
Teus bairros parecem vilas
Uma capital, quem diria!
És, do Brasil, um recanto
Seguro porto
Para quem, como eu
Busca mais amor na vida

terça-feira, 11 de março de 2014

Sociedade do controle

Entre na fila
Pegue uma senha
Aguarde ser chamado
Sorria, você esta sendo filmado
Porta com detector de metais
Colha as impressões digitais
Foto para identificação
Tenha os documentos em mãos
E comprovantes de residência e renda
Anote o protocolo
Assine na linha pontilhada
Cumpra o contrato
Não pise na grama
Portão eletrônico
Cerca elétrica
Câmeras e armas
Não pergunte
Obedeça
As regras
Vigilância
E controle
São para a sua segurança
Li e declaro estar de acordo com os termos de compromisso
Aceitar?

sexta-feira, 7 de março de 2014

A casa

Era uma casa
Mui desgraçada
Não tinha comida
Não tinha nada
Ninguém podia
Matar a sede
Pois água encanada
Não havia ali
Ninguém podia
Fazer cocô
Porque o esgoto
Era no mato
Não era casa
Era um barraco
Mas era feita
De muita fé
E muito esforço

[...]

Resistiu como podia
Durante anos
A enxurrada não a levou
De incêndios criminosos
Escapou
Sua porta remendada
Até coturno da polícia
Aguentou
Enfim foi vencida
Pelo governo
Pela FIFA
Que a puseram abaixo
Deram 30 dias de aviso
Prometeram auxílio moradia
Queriam nos cooptar
No dia fatídico
Não fizemos como Joca
Resistimos
Como em Pinheirinho
Chamaram a tropa
E em meia hora
Os barracos estavam todos no chão
Era uma ordem superior
Foi-nos dito que a nossa maloca
Já saudosa
Vai virar estacionamento
Ou viaduto
Não me lembro
Que ironia seria
Morar debaixo dele
Dizem que o espaço é público
Mas carro aqui tem preferência
E a Copa traz dinheiro
Investimento
Que somos nós, o povo
Os principais beneficiários
É o que dizem
Mas a gente não acredita

Agora não tenho casa
Não tenho nada
Só o que me resta
É a vontade e a força de lutar
Pelo meu/nosso direito de morar
Quando a moradia é um negócio
Ocupar é um dever

O apartamento

Dia longo, cansativo
Suado, sofrido
Chego em casa e o que encontro?
Tudo exatamente igual
A louça por lavar
A mudez dos móveis
A solidão apertada de um apartamento conjugado no centro de São Paulo
O silêncio sepulcral de um espaço habitado por coisas mortas
Antes o barulho frenético das máquinas que me segue diariamente até a porta
Nada aqui tem vida, terá eu?
Eu também sou um objeto, quiçá menos digno do que uma batedeira ou um sofá
Ligo a tevê
Não, a tevê não dá
Desligo-a
Abro um velho álbum de fotografias
Lembranças alegres são tristes
Fecho-o
Vou até a janela
A cidade não para, não dorme
Lá fora me é mais familiar do que cá dentro
Talvez tome uma no boteco da esquina, ou vá ao puteiro
Não, chega de botecos e puteiros
Me assusta esse lugar que supostamente deveria chamar de lar
Lugar que me é estranho, e que me consome meio mês de trabalho
Dinheiro que o senhorio me pede e que não oferece nem bom dia em troca
Que a rua é serventia da casa ele não me deixa esquecer
Me sinto sujo
Quero apenas um banho
Nem sei se tenho fome
Vontade de comer não tenho
Na geladeira apenas água e lasanha congelada
Essa comida me causa engulho
Quero apenas me deitar
Nessa cama vazia
Desarrumada desde a manhã
Ou seria desde ontem ou anteontem?
E que importa?
Abraço o travesseiro
Confiro o despertador do celular
Fecho os olhos ainda de roupa
O tênis eu tiro quando acordar no meio da noite
Penso na morte
Lembro da vida
Chorar pra quê?
Me ocorre, como um presságio, o amanhã
Igualzinho ao hoje
Me abandono, desisto, desmaio, morro
Literalmente